QUANDO O MAPA DO TEMPO DESANDA...

Quando resolvi escrever a presente crônica eu ainda não tinha elaborado um título que me valhesse uma precisa chamada ao leitor para o cerne hilariante do que ocorreu naquela noite, numa inauguração dum restaurante de comida típica asiática.

Os empresários daquela gastronomia já estavam naquela região há algum tempo, onde negociavam iguarias da comida árabe num aconchegante e elegante espaço, montado na formatação dum moderno empório, não apenas com comestíveis e cafés , mas também com a comercialização de apetrechos vários, todos aqueles usados para a decoração daquela cultura exótica.

Como a aceitação do empreendimento foi boa, resolveram então investir numa gastronomia paralela.

Assim a noite começava e os clientes aos poucos, recepcionados por um rapaz da gastronomia que tinha um certo papel de "faz tudo", já se acomodavam no espaço decorado com tanto capricho que a sensação era nítida de que estavamos fora do mapa autóctone do país.

Esse rapaz, qual um hábil "concierge", além de explicar os cardápios de rodízios , bem como o menu "a la carte", as bebidas disponíveis e a carteira de vinhos, também estava incumbido de apresentar aos clientes todos os espaços da casa, que de fato eram muitos, bibliotecas com vasta literatura, fumódromo, espaço de decoração, sanitários para adultos e crianças, espaço "home teather" para eventos e até uma brinquedoteca.

Foi ali, na explicação da brinquedoteca, que a coisa desandou...e como!

Vou explicar melhor.

Os clientes, à minha rápida observação naquela noite, eram casais de várias idades maduras.

Todavia eu pergunto: quem, hoje em dia, assim, de forma leiga, se arriscaria a prever a idade duma mulher, ao menos daquela bem disfarçada de adolescente e plugada nas revistas femininas da televisão das famosas?

Bem, digo arriscar idade "leigamente" porque os profissionais da área plástica leem idade em um segundo.

Não apenas pela aparência nas linhas mais técnicas mas principalmente pelo jogo complexo da linguagem corporal.

E aquele "concierge", meus leitores, se não era lá alguém nadinha treinado em etiqueta social, decerto que nascera para ser um instantãneo cirurgião plástico! E dos bons!

Então, eu que estava ali próxima à brinquedoteca, ainda que não pretendesse olhar, não pude deixar de ver e ouvir quando ela chegou acompanhada do marido que trajava uma calça verde e um blazer branco, que me lembrou um saborosa torta de limão glaceada para a sobremesa, e ela disfarçada de toda uma parafernália feminina antidade das mais altas rodas da cosmetologia, momento em que o "concierge" lhes apresentou o todo do recinto, até chegar ao "the end" da brinquedoteca que fechava o circuito da noite e iniciava o do meu texto.

Ela vinha toda pomposa, requebrada, cabelo vermelho- fashion, encarcerada numa minisaia que revelava joelhos já bem vividos, se equilibrando num salto quinze, com certa dificuldade gestual na face toda cuidadosamente preenchida, vestida nos detalhes com toda a padronagem da moda do mundo pet, com várias estampas dos pobres bichinhos eleitos para mais um próximo inverno, numa maquiagem e acessórios pesados que lhe faziam crescer na balança dos quilos disfarçados.

E o concierge:

-Senhores, então, esse é o nosso novo recinto,temos até essa brinquedoteca, e fiquem a vontade, sejam muito bem-vindos!-disse-lhes o funcionário todo amável.

-Brinquedoteca?-peguntou ela na maior ingenuidade do mundo.

E o "concierge, no ato mais falho do mesmo mundo e do da gastronomia internacional, lhe explicou em alto e mais que justificável tom:

-Sim senhora, temos uma brinquedoteca. Decerto que a senhora já tem netinhos, acertei? Pode trazê--los para cá... para os nossos jogos da copa do mundo, eles irão adorar a festa!

Eu até poderia em autocrítica deduzir que interpretei erroneamente a pronta dedução do concierge, se não tivesse absoluta certeza que ela, assim como eu, havíamos entendido perfeitamente a sua manifestação tão francamente temporal.

Deus! Aquilo poderia valer demisão por justa causa logo na inauguração, eu acho! Que desgraça!

Ainda bem que o patrão não estava por ali...afinal, tratava-se apenas dum funcionário bem sensível às transformações femininas operadas pelo tempo.

Culpa de quem? Do patrão que não previu a necessidade daquele espaço de brinquedos? Culpa do mau treinamento do profissional? Culpa daquela senhora disfraçada à la moda Braga? Culpa da brinquedoteca? Culpa do tempo? Culpa do Plástico?

Culpa dos netos?

Ou a culpa é toda minha que ouvi o que não deveria ter ouvido?

Ela, então, percebi que desconversou num tom insípido, não respondeu se tinha ou não netos, deduzi que não, e sentaram-se ali, ao nosso lado, a brindarem a noite daquele tempo que não começara lá aquelas coisas...

E eu que não acreditava no que havia presenciado...apenas disfarcei educadamente sem atentar com olhos para aquela cena que não era brinquedo, não!

Só deduzi com meus indignados botões que a brinquedoteca era culpada de tudo e deveria ser prontamente retirada dali para evitar controvésias. Pronto, falei.

Saí do jantar disposta a escrever sobre o desandar da carruagem do tempo...nos mapas da vida de todas nós..."mulheres presas fáceis da mídia" sempre candidatas a eternas adolescentes. Ao menos na alma...

E a redobrar cuidados com a moda das famosas que mais nos denuncia do que nos maquia, ou nos reverencia...

Moral da minha crônica: nenhuma moda cala a voz dos mapas do tempo...porque o que o tempo nos desenha é sempre seu autoretrato, estampado nas crônicas que as linhas da vida...nos escrevem.