TOMA LÁ A LEI SECA E DA CÁ O LEITE SECA
-Lá na cidade grande, Manoel, as pessoas reclamam porque passam um dia, um dia sem água! E aqui, nós já tamo é acostumado à tomar banho de cuia e puxando água do poço pruque num tem água na torneira, já faz um tempão!
Dizia seu Antônio para o neto enquanto tirava o leite da vaca, e o menino ficava atento às conversas do vô.
-E sabe o que mais? Lá na cidade grande eles tem água pra dedel e aqui no sertão, vixe! Só tem quando chove e a água ainda meio surja!
Seu Antônio falava e o menino continuava escutando.
-Vi um dia desses, no jornal, que uma cidade aí foi inundada pela chuva. E o povo recramando! Por que que então eles num mandam aquela água toda pra cá? Como? Eu num sei! Mas o povo tem um monte de água bem na porta de casa e fica recramando! E tira água e entra água e joga água... Por que então que Deus não tem misericórdia de nós aqui do sertão e manda chuva pra cá? Tipo... um dilúvio?
O menino se assustou com a conversa do vô e continuou escutando ele reclamar:
-Olha aqui, num tem capim pras vaca cumê, num tem colheita feliz, num tem lucro, num tem nada! Hum, e o povo da cidade grande recramando que fartô água um só dia e vai recramar na justiça! E nós aqui sofrendo na seca!
Ele retirou o balde e pediu para o neto:
-Menino, vá lá dentro e me traga um saquinho!
-Um saquinho vô? Pra quê?
-Ora, pra guardar o leite em pó!