ANTES SOLTO DO QUE MAL CONDENADO
Na sala de julgamento estava Leôncio sendo acusado de um furto na igreja. Do lado direito havia alguns amigos e ao lado esquerdo estava a mulher e os sete filhos de Leôncio, a mulher em pranto, desesperada pela condenação que teria o marido. Enquanto o juiz interrogava Leôncio, os amigos cochichavam entre si:
-Eu acho que não foi mesmo ele não! Até porque, ele nunca foi homem de andar em igreja!
-Mas será que tu não entendeu? Pegaram ele no "fragra" roubando o coroinha que recolhia as ofertas!
-Mas pense aqui comigo, o homem tem sete filhos pra criar, uma mulher exigente, uma casa pra manter...
-Por isso mesmo! Veja só, desempregado, relaxado, não sai pra canto nenhum nem pra procurar emprego!
-Então! Acha que ele iria ter coragem pra sair e roubar a igreja? E ele sempre foi um cabra respeitador, sempre respeitou religião... ele não seria capaz!
-Será? Lembra da vez que ele se desentendeu com o padre só por causa de vinte centavos?
-Não, num lembro não!
-Pois é. Ele tava com uma nota de cinco no bolso, mas queria ofertar com quatro reais e oitenta centavos e quem disse que ele deixou por isso? Pediu foi os vinte centavos de troco!
-É mas...
-E tem mais! Um dia fui comprar pão na padaria e ele tava lá, só esperando a oportunidade e o padeiro, coitado, pensando que ele ia comprar alguma coisa... Mas o safado tava era esperando alguém chegar pra despistar o padeiro e ele poder pegar escondido uns pão lá!
-O Leôncio?
-O próprio!
-Roubando pão?
-Unhum!
-Eu sempre soube que ele era um desgraçado, mas que roubava pão... não sabia!
-Pois é.
Enquanto eles cochichavam, a mulher de Leôncio chorava desesperada e se apoiava no ombro do filho mais velho que pedia calma:
-Vai ficar tudo bem mãe, você vai ver!
-Tudo bem? E se seu pai tiver mesmo roubado aquele pobre coroinha?
-Isso nem faz sentido! Se o coroinha era pobre ia roubar oquê dele?
-Seu pai pode ser qualquer coisa, um vagabundo, um ordinário, um preguiçoso... mas ladrão ele não é!
-Não!
-Meu marido! O que farei sem ele? Tenho sete filhos, três ainda de colo! como vou sustentá-los sem um pai?
Após Leôncio tentar se defender, o juiz chamou dona Conceição, a testemunha do crime que estava na igreja, para dar seu depoimento:
-Então, a senhora pegou ele no flagra?
-Desculpe meu filho, é que eu tenho problema de audição. Peguei ele aonde?
-Pergunto se a senhora viu ele roubar a igreja?
-Não, não! Ele não roubou a igreja! A igreja ainda tá lá! Ele roubou o dinheiro!
-Sim, é isto que quero dizer! A senhora viu ou não o momento em que ele roubou o dinheiro do coroinha?
-Não, não! O dinheiro não era do coroinha! O dinheiro foi ofertado pelos cristãos!
-Sim, isso eu sei! Mas o que quero saber é se a senhora presenteou o roubo?
-Se eu presenteei? Mas quem estava fazendo aniversário?
-Dona Conceição, a senhora viu o homem roubar o dinheiro?
-Aaaah! Por que não me perguntou isso antes?
-Então? A senhora viu o roubo do acusado?
-Se eu vi oquê? Olha aqui meu rapaz, eu sou uma moça de idade e mereço respeito! Me respeite!
O juiz já estava perdendo a paciência e pediu para a senhora se sentar. Em seguida, chamou a segunda testemunha do roubo, o padre Samuel e este interrogou:
-Padre Samuel, o senhor viu o roubo?
-Filho, a palavra "roubo" é muito forte. Digamos que foi apenas um furto e que Deus o perdoe e a sua alma seja limpa e livre de todos os pecados. E os irmãos aqui presentes digam amém!
-Padre, o senhor viu ele "furtar"?
-Eu poderia dizer que sim, mas todos nós somos pecadores e devemos ser perdoados, independente do que tenha feito!
-Então o senhor viu?
-E se vi ou não, vejo com os olhos de Deus! Deus não vê o ladrão como um ladrão e sim como um filho que precisa do seu amor! Deus é maravilhoso irmãos! Deus é maravilhoso! Agora cantemos: Glória, glória, aleluia! Glória, glória, aleluia!
Depois de algumas horas e de uma longa análise ao caso, o juiz já havia decidido, e decretou:
-Visto talvez em plena ação de roubo, acusado diretamente ou não por furto à igreja, eu o decreto... culpado!
E todos por ali se assustaram e os comentários eram diversos:
-Eu disse! Ele não se safaria!
Disse o amigo para os demais e a mulher, que já estava sofrendo, se angustiou mais ainda e gritava:
-Não! Não podem culpá-lo! Meu marido é inocente!
O juiz ordenou que fizessem silêncio e concluiu:
-Condenado à trinta anos de prisão!
Leôncio colocou a mão na cabeça e arregalou os olhos, mas, vinha correndo ao seu encontro, seu melhor amigo João e vinha lhe dizer:
-Amigo, não se preocupe...
-Não adianta mais João, já fui condenado a trinta anos de prisão!
-Mas é sobre isso mesmo que venho falar! Você não vai precisar passar trinta anos na prisão!
-Não vou?
-Mas é claro que não!
Leôncio abriu logo aquele sorrisão cheio de esperança e todos comemoravam e se abraçavam, felizes demais! E Leôncio perguntou ao amigo:
-Mas como isso é possível?
e o amigo então lhe respondeu:
-Foi o seu médico que me falou!
-E o que ele disse? O que ele disse?
-Que você só tem mais dois anos de vida.