SANTADA IX – FINAL DE “DÁ-LHES BORRACHUDOS”

Fizemos a próxima pescaria em Parati, mais ou menos, um ano depois. O Jefferson levou a esposa, filho, filhas e futuros genros. O David levou a Nadir e três filhas, pode-se até dizer que ainda eram crianças. Solteiríssimos mesmos, estávamos eu, Leonel e Edgar. Também participaria pela primeira vez, o Dr. Hudson, irmão do Jefferson, e família que também tinha crianças. Levamos o circo, mas não levamos o espinhel. Nesse dia saímos ao alvorecer e chegamos ao local entre 14 e 15 horas. Logo que desci do fusca, fui dar uma mijadinha na praia e eis que chuto um galho de cacto. Um dos espinhos me acertou em cheio uma das veias do peito do pé que provocou a perda de bastante sangue a ponto de eu sentir tonturas (mais de nervoso que de hemorragia). Atendido em primeiro socorros, fiquei aguardando a chegada do Dr. Hudson, ele era cardiologista, mas era médico. Quando ele chegou ao fim da tarde, ainda estávamos montando o circo, examinou-me e vendo que eu não tinha febre me tranquilizou dizendo:

- Se você vier a ter febre, vamos até Parati, pois aqui eu vim como pescador de “primeira viagem” e não trouxe nada que me lembre de que sou médico.

Preparamos o sanitário e o banheiro, mas fomos tomar banho na piscina do rio. Agora a cozinha era por conta das mulheres. Os homens tratavam de abastecer de água para cozinhar e banheiro. Era uma reunião familiar. Depois do jantar, fomos à noite na praia, tocamos violão e cantamos sob um lindo luar. Ninguém tinha pressa para dormir. Pegamos alguns peixes pela manhã do dia seguinte que o Dr. Hudson ajudou a limpar. Nesse dia à tarde, saíram para mergulhar o David, Leonel, Jefferson e o Dirceu que ficou nosso guia de pesca, pois conhecia bem toda a área em volta das duas ilhas (Pelada Grande e Pelada Pequena). Eu tentava pescar na praia e as todas as crianças banhavam-se, quando olhei para o mar onde ia fazer o arremesso e vi uma barbatana. Não me ocorreu outro pensamento senão a presença de um tubarão. Avisei a criançada para sair da água que havia um tubarão rondando e corri para o carro, apanhei o binóculo e fiquei observando e vi novamente um peixe fazendo uma enorme evolução. Pensei comigo: “Nunca soube que tubarão faz evoluções”. Fiquei tranquilo achando que era um grande golfinho. As crianças e as mulheres também viram. E o resto da tarde passei observando aquele peixe que de vez em quando aparecia ao longe e brilhava com o sol. Quando a turma do mergulho voltou, o Leonel perguntou:

- Vocês viram a arraia jamanta?

Imediatamente fiz a associação.

- Vi algo fazendo evoluções, mas nem me passou pela cabeça que poderia ser uma arraia. Pensei primeiramente que era tubarão, depois achei que era um grande golfinho.

- Nino, eu estava mergulhando quando me aproximei de uma grande pedra e de repente a pedra se mexe e sai nadando, debaixo dela outra. Aí me toquei que eram duas arraias gigantes que estavam se acasalando. Fiquei gelado com tamanho delas e fui para o barco. Depois uma delas apareceu na frente, era maior que o barco que tem uns cinco metros. Até o Dirceu falou para disparar o arpão e o David disse que esse peixe merecia era uma fotografia, pois se fosse arpoado, arrastaria o barco e não sabíamos para onde. Não pegamos nada, mas valeu a pescaria só por ter visto esse gigante!

Todos que estavam no barco confirmaram. Os pescadores da vila também viram. Eu pagaria para ver um bicho desse perto de mim na natureza.

No dia seguinte passou por ali um barco de pesca. Pegamos o nosso barco e fomos atrás. Compramos peixe, camarão e lagosta e as mulheres fizeram aquela moqueca! Como sempre o Dr. Hudson colaborou na limpeza dos peixes, até que ele gostou daquela vidinha de caiçara, pena que o período era pequeno. Desta vez a limpeza dos peixes ficou por conta dos homens. Foi um dos melhores acampamentos que fiz durante uns dez anos. Comer, beber, cantar ao som de um violão. Querem coisa melhor. Há pouco minha sobrinha Solange comentou comigo:

-Tio, que saudade daquele tempo!

E eu plagiei - “eu era feliz e não sabia”...

Uns tempos depois desse acampamento, fui trabalhar numa empresa de armazéns gerais no porto de Paranaguá – PR e quando encerrávamos o expediente, às cinco da tarde, íamos com os funcionários tomar umas cervejinhas nos botecos próximos dali e como sempre as conversas eram sobre pescarias, já que eu indagava onde poderíamos fazer acampamento, pois o lugar era famoso pelos robalos. Contei então sobre a arraia jamanta que vimos em Parati. Queriam- me dar a taça dos mentirosos, foi só gozação.

-Eu não mereço, só vi evoluções e acredito no meu irmão, disse.

Foi quando se levantou um senhor que estava sentado sozinho junto à parede lateral oposta e se dirigiu a todos. Aparentava estar perto de uns oitenta anos e com o dedo em riste falou a todos.

- Moço, eu acredito no senhor, porque há uns trinta anos aqui nesta baía eu estava com um amigo no barco, quando apareceu um diabo desses e nós fizemos a bobagem de arpoar o bicho. A corda estava amarrada na proa do barco e nós fomos arrastados e um rebocador veio nos ajudar com uma corda que amarramos também na proa e conseguimos parar o bicho que foi morto a tiro. O tamanho do diabo ia desta parede naquela.

O ancião mediu em passos largos a distância de uma parede à outra. Deram seis passos completos, quase sete. A turma parou de rir. Um deles chegou a dizer:

- Esse velho pescador é gente séria e pediu desculpas.

O tamanho coincidia com o que o Leonel disse:

- Era maior que o barco que tem uns cinco metros.

- Moço, eu acredito no senhor.

A nossa reputação (minha e de meu irmão) estava salva.

Nota: Quanto aos ferozes borrachudos, aprendemos a lição com as duas pescarias anteriores. Descobrimos um ótimo repelente artesanal e onde passá-lo pelo corpo, inclusive na sola dos pés. Infelizmente, o artesão se foi e não deixou a fórmula com ninguém.

SANTO BRONZATO em 15 de abril de 2014.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 15/04/2014
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