Guerra das baratas

Dez horas da noite.

A filha telefona desesperada para a mãe. Precisava de ajuda.

Uma barata estava sobre sua cama.

Aliás, duas. A da cama, e outra, que velozmente deslizava sobre o piso. Escondeu-se atrás do criado.

Ambas, ágeis, enormes e, principalmente, imortais. O inseticida não as vencia; ou estava vencido.

Irada, atirou longe a embalagem do produto. Talvez fosse até falso. Para não perder a viagem, decidiu arremessá-la contra uma das baratas.

Escolheu a número 1 – a da cama. Errou.

Ainda contava com um par de chinelos ao alcance.

Perfeito! Um pé para cada barata. Porém, estoque limitado. Não podia errar. Era matar ou correr.

A mãe, do outro lado do telefone, lembrou-se do seu estoque de sapatos. Belo arsenal. Mas não tinha como incorporar-se fisicamente à luta. Estava a 450 km de distância. Ela e os sapatos. Inútil munição.

Solidária à filha, manteve-se psicologicamente comprometida com a batalha.

Passava instruções de acordo com o desenrolar dos fatos. Mesmo que virtualmente, fora convocada por mérito. Não podia decepcionar.

Com a experiência de quem já havia matado centenas de baratas pela vida, não queria fazer feio. Currículo é currículo!

A certa altura temia que a filha arremessasse também o celular. Era um Iphone top de linha.

Péssima relação custo benefício. Além disso, interromperia a comunicação, fundamental em momentos cruciais.

Enquanto isso a filha torcia para que o inimigo não se reforçasse. Duas baratas bastavam. Uma para cada chinelo.

A barata número 1 já não estava mais sobre a cama. Viu-a deslocando-se também para o lado do criado.

Por enquanto não queimara nenhum dos cartuchos.

De repente ambas partem em alta velocidade rumo ao guarda roupa. Ela já não distinguia qual era a barata numero 1 e qual era a número 2. Concluiu que isso seria irrelevante.

Se fosse hábil, com um único chinelo, daria conta do recado. Ficaria com um de reserva. A arte da guerra.

Falhou. As asquerosas adversárias tiveram tempo de se esconder atrás do móvel.

Agora só desmontando aquele monstrengo enorme para alcançá-las.

Isso lhe tomaria toda a noite e poderia trazer para a arena as baratas numero 3,4, 5 ,6 – sabe-se lá quantas. Estaria em franca minoria.

A mãe, nervosa não queria demonstrar fraqueza.

Trégua temporária. Silêncio dos três lados; o da filha, o da mãe e o da quadrilha.

O comando decide rever a estratégia para as próximas horas. A mãe assume a liderança. Sugere a filha passar a noite na casa da colega. Esclarece, em tom materno, mas firmeza paterna, que não se trata de covardia. Puro recuo tático.

A filha acolhe a ordem.

***

Durante meses não se falou mais no assunto. A mãe nunca soube como a filha exterminou com as baratas.

Tudo ocorrera em janeiro.

Em abril a filha comentou que no início do ano estava desesperada. Ainda não havia fechado o contrato com seus novos clientes. Temia faltar dinheiro para pagar as contas.

Ai então, a mãe entendeu porque as baratas estavam tão grandes e ágeis.