SANTADA VIII – DÁ-LHES... BORRACHUDOS (continuação)

Quando as fotos foram reveladas, não deixaram dúvidas e o fato de termos perdido os peixes foi lamentado por todo o pedaço da Rua Alvarenga, no Butantã. Todos queriam saber que lugar era aquele que tínhamos descoberto.

Começamos a arquitetar quais equipamentos que precisaríamos para a próxima pescaria e assim foi que surgiu o “condomínio”. Foram construídos: uma estrutura de cano galvanizado com lona, parecido com um circo, sob a qual cabiam dormitórios, mesas para almoço e jantar e cozinha completa, além de banheiro com chuveiro; um espinhel com 400 (quatrocentos) anzóis e uma rede com mais de 50 (cinquenta) metros de comprimento por uns 4 (quatro) metros de largura para ficar armada. Tudo isso levou uns oito meses para ser montado. Descobrimos uma pessoa no bairro do Brás que fazia um repelente que era à prova de quaisquer mosquitos. Fomos lá comprar. Tudo estava preparado. Quando chegaria o grande dia de pescar? Todos estavam ansiosos. Precisaríamos de muito gelo para conservar os peixes ou salgá-los. O grande dia chegou. Partimos à meia noite de uma sexta-feira, mais ou menos um ano depois da primeira pescaria. Só que agora levávamos um caminhão, dois barcos (um era inflável), quinze geladeiras de isopor, iscas de sardinha salgada para os anzóis, gelo, sal, colchões, equipamentos de cozinha, dois barris de chope, etc. Tudo tinha sido planejado e calculado. Se alguém estiver pensando que éramos gananciosos, enganou-se, pois o produto da pescaria seria distribuído à população carente que habitava a região. A nós era um grande prazer estar contaminados pelo vírus da pesca. Ao todo estávamos em dez ou doze pessoas.

Na via Dutra, na altura de Jacareí, sentimos um forte cheiro de enxofre, semelhante ao cheiro de mangue. Estranho porque nenhum manguezal existia por ali. O Leonel disse que era de uma fábrica de papel que havia por lá. O David disse que era o ácido da bateria que pudesse estar fervendo. Paramos o carro, examinamos a bateria e nada. O cheiro tinha sumido. Seguimos caminho. O Leonel tirou o sapato e descansou os pés no painel. O cheiro voltou. Não foi difícil adivinhar agora de onde era o cheiro de ácido sulfúrico. Que chulé!!! Só não apanhou porque estávamos em família. Foi obrigado a calçar o sapato com pé inchado mesmo.

Quando chegamos a Parati e fomos tomar café, imaginem qual foi o espanto do povo ao ver um caminhão com aquela tralha.

– Tudo isso para pescar? Perguntaram. Onde?

Não dissemos. Falamos que estávamos indo para Angra. Não queríamos arrumar encrenca com os pescadores locais. Aproveitamos para passar o repelente.

Chegamos cedo ao mesmo local, armamos o circo, enterramos os barris de chope e fizemos uma macarronada com molho de calabresa. Enquanto eu cozinhava observei alguns borrachudos me rodeando as pernas. O repelente funcionava mesmo. Logo após o almoço, os novatos pegaram o barco inflável e foram passear. Alguns ficaram lavando louça e arrumando a cozinha. Quem entendia do riscado, foi armar a rede e o espinhel e sinalizou com boias fosforescentes. Eu e o Edgar fomos pescar na praia. Pela nossa convenção, os cozinheiros só cozinhavam. Resultado da pescaria: nenhum peixinho, nem baiacu e como eu estava sem dormir na noite anterior e em estado etílico (e quem não estava, com tanta caipirinha e chope), aproveitei para dormir sob uma pitangueira, já que o repelente funcionava. Naquele tempo eu dormia em qualquer lugar, até mesmo sobre raízes. Acordei com uma algazarra. Estava chegando outro pessoal para acampar ali pertinho da gente. Sorte que chegamos cedo, porque o nosso lugar era o melhor. Senti uma coceira na sola do pé. Os bandidos tinham descoberto um lugar para picar, só que desta vez não inchou tanto como na primeira, mas mesmo assim eu andava com dificuldade e dá-lhe coceira, mas tinham-me ensinado um truque. Aproximar a ponta de um cigarro aceso e não é que funcionou. Fica aqui esta dica para vocês que ainda não conheciam.

Fomos dormir. Alguns levaram barracas. Vendo que estava muito quente, colocamos o caminhão dentro do circo, passamos repelente, alinhamos os colchões na carroceria e quem não estava nas pontas, deitou-se de decúbito dorsal. Às 5:30 horas da manhã acordei com o Dito batendo com a colher no bule. Dei-lhe uma bronca e quase apanhei, pois me disseram que eu não deixei ninguém dormir. Roncava como um leão. Fiquei com fama de roncador e não era injustamente, pois eu já tive meu sono gravado, só que nunca me preocupei com quem roncava. Depois que todos tomaram café e limparam a casa, começaram os aprontos. David, Leonel, Jefferson e o guia foram mergulhar e vistoriar a rede e o espinhel. Os novatos aprontaram uma armadilha na praia. Cavaram um buraco fundo logo na saída de um dos caminhos que levava à praia e puseram um tampo falso. O velho Andorinha tinha deixado suas varas armadas e estava bebendo um chope quando gritaram que tinha peixe no anzol. O velho saiu numa disparada e caiu no buraco. Não falou nada, mas olhou com raiva para aqueles que aprontaram. Ele também sabia aprontar. Eu e o Edgard começamos a preparar o a comida, afinal tínhamos que cozinhar para mais de dez pessoas, almoço e jantar, haja macarrão e linguiça, pois até aquele momento não havia peixe.

Tivemos uma surpresa. Apareceram em nosso acampamento o Nico e o Wilson. Ficaram sabendo no sábado de manhã que a turma tinha ido pescar em Parati e ficaram putos porque não foram avisados. Saíram à noite, mal sabendo o caminho e foram parando em todos os acampamentos antes do nosso até que acharam.

- Onde é que está a turma pescando? Perguntaram.

-Alguns estão aí na praia, respondi.

- Tá vendo aquele barco lá perto da ilha? Pois lá deve ter uns quatro com o guia.

-Vou pra lá, disse o Wilson. Tirou a roupa e saiu nadando em direção à ilha.

- Lá na Kombi tem macarrão, linguiça e pão, disse o Nico. Podem pegar para o almoço, enquanto tirava a roupa e acompanhava o Wilson com um binóculo.

Resolveu sair nadando em direção ao barco que parecia não estar tão longe. Percebemos, com o binóculo, que o Nico também estava cansado. Estávamos sem barco. Corremos até o acampamento vizinho e eles também não tinham. Foi aí que começamos a apitar e agitar panos para que o nosso pessoal do barco pudesse ver o que estava acontecendo. O Nico insistia em nadar. Ficamos com medo de que duas tragédias pudessem acontecer.

Segundo as narrativas do pessoal que estava no barco:

- Olha lá gente, tem um cara nadando em nossa direção e parece gente conhecida, vejam, é o Wilson, como será que ele veio? Você é mesmo um louco, vai ficar boiando, porque não cabe mais ninguém aqui, fique aí descansando com esta boia.

- Olha lá o pessoal na praia acenando, devem estar avisando que você estava vindo.

- Pode ser o Nico, disse o Wilson..

Olharam e viram outro cara nadando com dificuldades e foram ver quem era.

- É o Nico! PQP, o barco tá lotado e esses dois caras aí precisando de ajuda. Se eles entrarem no barco, vamos afundar.

- Vocês viram meu cunhado? Perguntou o Nico ofegante..

- O Wilson está por aí com uma boia.

- Graças a Deus, eu vim em socorro dele, mas a distancia me enganou. Quer dizer que ele está salvo, graças a Deus.

- Nico, não vai dar pra você vir no barco, o máximo que podemos fazer por você é te dar uma corda e te puxar, aí vai ela.

Depois que todos estavam próximos, começaram a pensar como fariam a volta. Com muito custo o Wilson entrou no barco, mas o Nico não cabia. O único jeito era rebocá-lo ou vir buscá-lo depois. O Nico topou ser rebocado.

Já tinham examinado a rede e o espinhel e o resultado foi frustrante. Não havia peixe, apenas quatro arraias pequenas e algumas pescadas já dilaceradas pelos baiacus. As iscas foram comidas pelos baiacus ou se soltaram. A verdade é que foram oito meses de trabalho para quase nada. Esperava-se um resultado melhor. Agora era se divertir pescando com vara, embarcado ou na praia. Deixaram tudo lá para recolher depois. Ainda se esperava que na rede pudesse aparecer algum peixe.

O David amarrou um bastão na ponta da corda e deu para o Nico segurar.

- Aguenta aí que vamos te puxar, e começou a acelerar o motor. Acelerou tudo o podia e o Nico recebia no peito todas as ondas que a hélice fazia. Devido ao seu corpanzil, a resistência era maior e a e corda parecia que queria lhe arrancar os braços. Ele resistia e finalmente chegaram à praia. A pergunta obvia:

- Pegaram alguma coisa?

- Pegamos até uma baleia. Está aí na ponta da corda.

Quando viram que era o Nico, foi só gozação. Ganhou o apelido de “baleia kid”. Com muito custo o Nico andou até a praia e se deitou. Estava exausto. Depois de descansar, o Wilson e o David o ajudaram a subir a rampa que levava ao acampamento, onde ele se deitou e ficou esperando o almoço. Queixava-se de muitas dores nos braços e no peito. Não tinha força nem para levantar os próprios braços.

Fiz uma grande panela de molho de calabresa e muito macarrão. Mortadela, salaminho e queijo foram os petiscos para o chope. O Nico não conseguia levantar o copo de chope. Também não conseguiu levar o garfo com macarrão até a boca. Comeu com as mãos e a boca próxima ao prato.

A falta de peixe deixou todos frustrados, alguém lembrou que um camarãozinho caía bem com aquele chope. O guia nos disse que próximo dali, no fim da praia em direção de Parati, do outro lado do morro, morava um pescador de camarão.

Cumprida minha tarefa do dia que era fazer o almoço e o jantar, logo depois da “siesta” pegamos o barco e fomos com o guia procurar o pescador de camarão. Assim que desci do barco, pisei num ouriço. Fiquei com várias pontas de agulha cravadas na sola do pé. Já não bastavam as picadas de borrachudo, agora as pontas de ouriço e como doíam. Não havia camarão, o pescador disse que há dois dias que não se pegava nada. Voltamos de mãos vazias e eu com meu pé direito doendo, inchando e esquentando. Mais uma vez, depois de lavar com álcool, aproximamos a ponta acesa de um cigarro e tentamos puxar as pontas de agulha. Algumas saíram, outras foi necessário apertar. Como eu tinha tomado caipirinha e chope, tive que esperar passar o efeito do álcool para tomar um analgésico para acalmar a dor. Foi-se o meu resto de tarde. Pisava apoiado no calcanhar.

Alguns resolveram pescar na praia. O dia estava fraco de peixe, mas de repente o David sentiu um tremendo puxão e dá-lhe linha. Era peixe grande e oferecia bastante resistência. Corria a praia para norte e para sul. A briga durou uma hora e meia quando o bicho cansado se entregou. Era uma arraia. A primeira providência foi anular-lhe o ferrão da cauda e virá-lo de decúbito dorsal. Como o sexo desses peixes é interno, mexeram-lhe na fenda e ele mostrou que era macho e macho mesmo! (merecia essa exclamação). Da ponta de uma asa à outra mediu cinco palmos, aproximadamente um metro e vinte centímetros. Não tínhamos balança para pesar. Era um belo peixe. Salvou a pescaria. Algumas fotos foram tiradas, inclusive do seu sexo.

- Ô Fulano, foi desse tamanho que ficou o seu quando o borrachudo picou?? Perguntei.

- Perto desse o meu era de anjinho barroco!!! (rsrsrsrsrsrs!!!)

Cercamos o rio e pegamos alguns paratis com o picaré. O almoço do dia seguinte estava garantido.

Na manhã do dia seguinte o Nico e o Wilson resolveram voltar, pois o Nico não passava bem com as dores. Fiz um ensopado de arraia, um panelaço de arroz e fritei os paratis. Disseram que o ensopado estava muito bom. Eu não comi a arraia, como o faço até hoje. Aliás, não como cação, atum, arraia e evito comer peixe de couro, uma vez ou outra degusto um pintado na brasa, quando não há outra opção. Passamos o resto da tarde petiscando, bebendo chope, pescando, recolhendo a rede e o espinhel. Inacreditável, se não fosse aquela arraia, não teríamos o que contar da pescaria, salvo as trapalhadas do Nico e Wilson, a armadilha para o velho andorinha e minha pisada no ouriço. Desde esse dia só piso em praia desconhecida com proteção nos pés. Vivendo e aprendendo. O retorno foi tranquilo, a “bateria” não ferveu. Infelizmente, não distribuímos peixes à população carente.

Mesmo sem peixe, valeu o passeio, a descontração e o clima de amizade que se ampliou com os novatos, o grande circo que agora tínhamos, dava-nos condição de acampar em qualquer lugar, seja praia ou rio e muita gente querendo participar das próximas pescarias, até as esposas quando viram as fotos do banheiro, do sanitário, da sala e da cozinha.

SANTO BRONZATO em 25/03/2.014.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 25/03/2014
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