EXPERIÊNCIAS DO PASSADO
Já vivi nesta cidade antes, mas então não era eu a mesma pessoa. Naquela ocasião, astrônoma e poetisa, eu passava o tempo de nariz para cima, a ouvir estrelas, a admirar a lua... Ah, a magia da noite! Eu me deleitava a meditar sobre os mistérios todos do universo à beira-mar.
Em Petrópolis, anos depois, fui moça devota, dessas que não perdem missa aos domingos e lêem a Bíblia diariamente. Professora severa e correta, sofri muito quando o noivo abandonou-me com estas palavras cruéis: eu era séria demais e não permitiria que ele gozasse a vida. E como, na minha concepção, só se amava uma vez na vida, vi-me relegada à solidão das solteironas.
Lembro-me da vida boêmia que se seguiu, pelos bares de São Paulo, as rodas de samba madrugadas afora, e o desastroso resultado: mãe solteira, escorraçada pela família e pelos ‘amigos’, a passar fome, frio e toda sorte de dificuldades para criar um filho sozinha.
Houve também uma época feliz, em Minas Gerais: a da fazendeira amada e apaixonada pelo maridão. Criei quatro filhos na tranqüilidade dos campos, cursei faculdade, formei-me em psicologia e fui útil, criativa e feliz até tornar-me a viúva inconsolável do homem tão especial que enriquecera minha existência.
Mais tarde, no Paraná, renunciei a tudo como monja budista, procurando a solução para o problema da dor, alienando-me dos sofrimentos do mundo pela renúncia.
Agora, de volta à primeira cidade em que vivi, percebo curiosa que, sendo eu a mesma pessoa, sendo a cidade a mesma, sou no entanto uma pessoa nova em uma cidade nova. Não é mais o luar que me encanta a alma, é o sol que aquece meu coração. Aprecio as caminhadas matinais, faço ginástica na praia, sou ativista cultural e...
Nisto, o psiquiatra que chegara à roda com atraso protestou indignado exigindo provas. Provas? Provas, sim, que ele já estava farto deste modismo de reencarnação!
Mas do que é que ele estava falando, afinal? Eu apenas comentava com meus amigos como se mostrara exata a previsão feita à beira de meu berço pelo astrólogo que interpretou minha carta natal: a cada dez anos, minha vida sofreria uma transformação radical.
Do livro "Dias de Verão" - 1997