O delegado mandou convocar o amigo Salomão.
Salomão, desde novo, ressaltava um imbatível espírito de reflexão.
Ele observava minuciosamente os fatos, contando com uma arma secreta inusitada, os provérbios que acompanham a cultura popular.
Tudo ele sempre conseguia analisar usando um provérbio.
 
Na tarde anterior o Cara Misterioso foi encontrado morto por um homem anônimo, primo de uma moça que preferiu não se identificar.
Ele tinha uma faca num local do corpo o qual os peritos não divulgaram.
As circunstâncias estavam envolvidas num enigma difícil de desvendar.
Qual o motivo? De que forma? Que horário? Quantas facadas?
As indagações cresciam, mas havia uma pergunta crucial: Quem?
 
O carismático Salomão escutou os detalhes da ocorrência e anotou os nomes dos suspeitos: Dona Bola, o mordomo, o tio do mordomo, Toninho do Ramo, Zé Calado, Pedro do Sangue Frio, João Inocente, Maria Sem Dores e Juca Pijama.
 
Salomão, após sete dias, surgiu na sala do delegado sorridente.
_ Descobriu quem é o culpado?
_ Sim!
_ Estou escutando com total atenção.
_ Querido delegado, para começar eu percebi que Dona Bola engordou cinco quilos depois do crime. O fato é bastante relevante.
_ Por que, caro Salomão?
_ Apesar de estar sob a pressão da desconfiança, Dona Bola engordou, portanto, recordando o provérbio O que não mata engorda, fica claro que ela não matou o Cara Misterioso.
_ Brilhante!
_ Restam, porém, oito suspeitos. Ouvindo os relatos da vizinhança, me disseram que Zé Calado teve uma briga séria com o Cara Misterioso.
_ Qual o motivo?
_ Ninguém sabe, no entanto ele fez sérias ameaças contra a vítima. Gritou alto que acabaria com a vida dele.
_ Aí ficou fácil! Devemos usar o provérbio Cachorro que muito ladra não morde.
_ Ou um mais moderno: Muita trovoada é sinal de pouca chuva.
_ Perfeito! Também não foi o Zé Calado.
_ Existia uma dívida num valor alto não informado. O Cara Misterioso jamais pagou uma enorme grana ao Pedro do Sangue Frio. Talvez isso justificasse o crime como um ato de vingança, entretanto um dos meus preferidos provérbios diz Águas passadas não movem moinho e a dívida é muito antiga, ou seja, o débito do passado nunca inspiraria o crime, todavia precisamos destacar outro provérbio importante.
_ Qual?
_ Cesteiro que faz um cesto faz um cento.
_ Compreendi. As estatísticas provam que o caloteiro sempre conquista uma segunda dívida antes de provocar a ira do credor.
_ Exatamente. Não foi o Pedrão.
_ Já diminuímos a lista para seis pessoas.
_ A Maria das Dores, a empregada, também merece ser considerada inocente. Dois provérbios a ajudam. Um deles diz que Santo de casa não faz milagre. Trabalhando muito perto da vítima, servindo o Cara Misterioso, jamais ela, uma das primeiras pessoas suspeitas, cometeria o crime.
_ E o segundo provérbio?
_ O único filho da vítima, que viajou misteriosamente da casa quando completou trinta anos, jamais retornando, teve um rápido romance com a abundante Maria das Dores. O provérbio Quem a boca do meu filho beija a minha adoça permite asseverar que a empregada gostosa nutria um imenso carinho pelo Cara Misterioso, talvez até facilitando uma bingolada sem posições secretas.
_ Espetacular!
_ Analisando a rotina de Juca Pijama, eu surpreso descobri que ele não possui hábitos. Hoje ele está num bar, amanhã aparece na praça, outro dia vai à praia. O safado não demora dois dias com uma namorada, nunca repete uma roupa, usa sempre uma cueca diferente. Sustentado pelos pais ricos não está acostumado a fazer coisa alguma.
_ Ótimo, Salomão! Diz um provérbio que Costume é quem mata.
_ Exato! O Juca Pijama também não é o assassino.
_ O João Inocente pode ser descartado por ter esse sobrenome?
_ Claro que não! Os nomes enganam demais, mas o rapaz participa de todas as romarias da cidade.
_ É verdade. Isso ajuda?
_ Sim, pois um provérbio pouco conhecido diz Boa romaria faz quem em sua casa está em paz. Se ele fosse o assassino, quando estivesse em casa, nutrindo um profundo remorso, o beato perderia o sono, e, conseqüentemente, não faria boas romarias.
_ Excelente, Salomão! Restaram três suspeitos.
_ Imediatamente desconfiei do mordomo, porém surgiu um problema.
_ Que problema?
_ No dia do crime, o mordomo estava de férias na Europa.
_ Opa! Ele ganha tão bem assim?
_ Estava viajando escondido. Quando notaram sua presença, ele pagou a viagem lavando pratos e distraindo os tubarões.
_ Então, se não foi o mordomo, seria o tio do mordomo?
_ Eu pensei nessa hipótese, mas era necessário ter uma prova concreta. A famosa frase que compromete o mordomo não transfere a culpa para os parentes.
_ Ou foi o tio do mordomo ou o ator global peludo. Como ficamos?
_ Eu resolvi a questão sem provérbios dessa vez.
_ Como?
_ Investigando a cena do crime, os peritos não encontraram nenhuma pista. Não havia no local nem sequer um fio de cabelo do assassino. Isso garante que o Toninho do Ramo é inocente.
_ Por quê? Por acaso, o tio do mordomo é...
_ Completamente careca e sem pêlos!
Emocionado o delegado abraçou Salomão.
 
Na manhã seguinte toda a imprensa foi convocada para a divulgação do inquérito. O delegado ficou bastante famoso.
Todos queriam aplaudir sua forma habilidosa de resolver o mistério.
 
O tio do mordomo experimentou a punição mais cruel.
Todos os dias ele precisava assistir o programa da Fátima Bernardes.
Ele tentou trocar pelo Chaves, mas o pedido foi negado.
 
Imagino que vocês desejem muito saber o nome do delegado, como o mordomo escapou dos famintos tubarões, se Maria Sem Dores possui seios melões ou pequenos e quantos hambúrgueres Dona Bola come todas as tardes.

Seria um excelente jeito de encerrar o texto.
Eu pensei em revelar, no entanto recordei o seguinte provérbio:
A quem muito quer saber, nada se lhe diz
 
Um abraço!
 
Ilmar
Enviado por Ilmar em 26/12/2013
Reeditado em 26/12/2013
Código do texto: T4625619
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