POETA? QUEM?

Ele poderia ter qualquer outra ideia, mas não tal que fosse tão absurda. Se tornar um poeta? Ele? Que nem sabia de rimas e a diferença de parágrafo para estrofe. Pois este sim, estava escrevendo, ou tentando escrever uma poesia para sua amada, que não o amava.

Tudo começou quando ele se apaixonara por uma moça muito doce e romântica que se mudara a pouco tempo para a casa vizinha à sua. O problema é que ele gostava de filmes, ela de poesia, ele lia suspense, ela romance, ele ia à festas, ela à biblioteca e teatro, ele era humorado, ela, dramática.

Uma vez ele até tentou levá-la para jantar, mas ela não o aguentou nem até à conversa. Era o seu fim, ele acreditava, mas o amor gritava faminto, como um ronco na barriga quando se sente fome. Aí, foi que ele decidiu. Mudar. Mudar completamente, tornar-se um Romeu na vida da Julieta, o caso é que ele nem sabia se Romeu fazia par com a Rapunzel ou Cinderela.

CONVITE PARA JANTAR- apesar do jantar anterior ter sido uma catástrofe, ele convidou a moça mais uma vez, e ela, que estava cansada de seus tormentos, resolveu dá-lo outra chance e aceitou o convite, mesmo imaginando que se arrependeria mais cedo ou muito mais cedo.

O JANTAR- por enquanto tudo ocorre bem. Estão num restaurante francês, divino. Ele puxa a cadeira para a moça sentar, parece estar se saindo bem, ela já sorrir para ele. Ele começa a olhar de um lado para o outro, preocupado.

-Está tudo bem? -ela pergunta.

-Sim, está tudo ótimo!

Mas na verdade ele esperava pela serenata que havia preparado para ela. Recebe uma mensagem no celular: "olha, segura ela mais um pouquinho aí que 'tamo' com um problema no carro!" Então ele ficou imaginando o que faria enquanto não chega a serenata. Teve uma ideia.

-Sei que gosta de poemas, então vou te ler um. Fui eu quem fiz!

A moça estranhou, porque sabia que ele não escrevia poemas. Ele retira o papel que está todo amaçado do bolso e começa a recitar:

"Amor, o amor

o amor é a vida

com cobertura de morango

um sorvete de casquinha

que eu amo, ah, eu amo.

Quando eu sou o sorvete

me derreto todinho

mas sabor chocolate

porque não gosto de morango

ah, como eu te amo"

com amor, Juninho.

Assim que termina de ler ele pergunta para a moça que está espantada:

-O que achou?

-É... muito apetitoso!

Ele sorrir e nota lá atrás o pessoal da serenata. Rapidamente ele se levanta e pede para a moça o esperar um momentinho.

-Mas que demora! Eu já ia ter que ler o poema do ENEM! Então? Vamos?

-Espera aí ainda falta o Bob!

-E onde ele está?

-No banheiro. Deu uma dor de barriga daquelas nele.

-Mas logo agora? E não podem começar sem ele?

-É ele quem vai cantar a serenata!

-Ah, ótimo, agora vou ter que distraí-la por mais umas horas!

Ele volta para a mesa e o garçom já trouxe o pedido. Ele não poderia encontrar uma melhor distração se não comer. Passa-se meia hora. Ele bate os dedos na mesa, a moça o olha entediada. Eles olham um para o tédio do outro.

-Quer que eu recite mais um poema?

-Não! Quer dizer, porque não pedimos a sobremesa?

-Tudo bem!

Ele ver mais uma mensagem no celular: "corre rápido pra cá, a gente tem outro probleminha! 'Heup'!"

Ele sem jeito pede novamente licença para a moça e vai até onde estão.

-O que foi agora?

-O Bob já voltou do banheiro, mas disse que não vai dar para cantar com a maldita dor de barriga...

-Mas por que não?

-Bem... Sabe como é né!

-E o que você quer então? Que eu cante?

-Bem...

-Tudo bem, o que eu não faço por ela?

-Aqui está a letra da música.

-Mas como eu vou decorar isso aqui?

-Ler com o papel!

-O que? Eu quero causar uma boa impressão e você manda eu ler no papel?

A SERENATA- Lá na mesa, a moça já espera impaciente e quando já ia decidir se levantar e sair ela o ver voltar com uma serenata. Ela se surpreende. Ele se sai muito bem no começo da música, até que surge o tal do "branco" que dá na gente. Rapidamente retira o papel do bolso e começa a cantar:

" Lá no riachinho

perto de onde eu moro

tem muito peixe

peixe que dá gosto

dá gosto na comida

junto do arroz?"

Ele havia pegado o papel errado, era um poema do ENEM.

A moça começou a estranhar e perder a paciência e pede para que parem a música.

-Estou indo!

-Espere! Eu... fiz essa serenata pra você!

-Chama isso de serenata? Sabe como isso se chama no inferno? Porta!

Ela sai decepcionada, mas não tanto quanto ele.

Dia seguinte, ele tem outra ideia, presentear a moça com algo que ela goste muito. Um livro. Mas ele não fazia ideia de onde arranjar um e a única coisa que tinha era gibis. Então resolveu procurar pela cidade.

A BIBLIOTECA- Até que viu um lugar enorme com o nome bem destacado "biblioteca". "Nossa! Como nunca vi isso aqui?" pensou ele. Ele entra esperando encontrar algum livro ali quando ver muitas prateleiras repletas de livros. Ele pede ajuda à balconista.

-Olá! Eu estou procurando um livro...

-Não me diga?

-Sim.

-Qual o livro?

-É... Sonho de uma noite... sonho de uma tarde... sonho de um entardecer!

A balconista pesquisou pelo livro na lista, mas não havia nenhum registro.

-Não temos esse.

-Tudo bem. Ah... Um porto... um porto sagrado!

-Você quer dizer "um porto seguro" de Nicholas Sparks!

-Não não! é... Romeu e Juliana?

-E Julieta. Sim! Temos esse!

-Ótimo!

ROMEU E JULIETA- Ele volta para casa com o livro pronto para entregá-lo. Vai até a casa da moça que assim que o ver mal abre a porta.

-Espere, tenho um presente para te dar! Olha, sei que o encontro não foi o esperado, então quero lhe dar isso como lamento de minha alma, um pedido de perdão. Por favor aceite!

-Ah, obrigada! Espera, Romeu e Julieta?

-Sim! Foi o maior sufoco para encontrar! Até porque, é lançamento...Então? Gostou?

-Não! Eu não gosto desse livro! A história intrigante de um amor que não foi vivido, um final triste e... Some da minha frente e leva isso com você!

Ela bate a porta e entra chorando. Ele não entende e volta entristecido para casa.

Não tinha mais ideia do que fazer. Tornar-se um poeta era mais difícil do que imaginava, mas ele tinha certeza do seu amor e estava disposto a lutar por isso.

Certo dia, ele fica sabendo de uma apresentação que haveria na cidade, onde grandes e os melhores poetas recitariam suas poesias e apresentariam seus livros, seria a noite dos poetas. Ele também soube de que a moça iria à essa apresentação e esta era uma oportunidade para ele demostrar seus interesses. Sim, ele estava decidido a se apresentar como um poeta e recitar seus poemas. Mas ele sabia que seus poemas eram horríveis e teria de escrever novos poemas.

Ele procurava rimas, versos, passava a noite escrevendo, amanhecia o dia com papéis sobre a mesa e jogados e amassados no chão. Chamou por uma amiga que também gostava de poesias e pediu sua opinião sobre as poesias que havia escrito.

Quando ela terminou de ler começou a chorar.

-O que foi? Ficou muito ruim não é? Ah droga! Agora não sei o que faço!

-Não, é linda! Nunca vi palavras tão profundas como as desta poesia! Aposto que todos vão adorar!

Ele estava surpreso com ele mesmo, não imaginara que suas palavras faria alguém deleitar-se em pranto. Agora era só esperar para ver o que aconteceria.

Chega a grande noite, noite dos poetas. Ele já está por trás das cortinas junto à grandes nomes da poesia. Estes o olhava sem reconhecê-lo de lugar algum.

-Ei, você é...

-Carlos Bonfim Junior!

-Ah! É... desculpe, nunca ouvi falar!

-Ah, é porque sou muito discreto, mas já criei muitos poemas!

-Bom! Me diga um!

-O sol da aurora.

-Um...Não, nunca li.

-É novo, acabei de escrever!

-Ah. Ops! Agora sou eu! Me deseje sorte!

De lá nota-se milhares de pessoas na platéia e ele estava nervoso, pegou o papel no bolso só para reler a poesia. Aguarda impaciente a sua vez, até que um empregado que passava por ali acabou tropeçando e derramando água sanitária em seu terno.

-Ah não! Olha o que você fez!

-Me desculpe é... Nunca te vi, você é poeta?

De repente ele houve anunciarem seu nome como a próxima apresentação, ele teve de tirar o terno e isso o preocupou, porque todos estavam bem vestidos. As cortinas se abrem. A moça que estava bem na frente, olhou espantada, sem entender o que ele fazia ali. A amiga dele que estava ao lado da moça, falou baixinho:

-Ele veio apresentar suas poesias.

-O que? Ele ficou louco? Nem é poeta!

No palco, ele tremia e as pessoas o olhavam seriamente esperando uma palavra. Ele então resolve ler a poesia do papel no bolso, mas é quando lembra estar sem o terno, que havia deixado o papel no terno. Ele fica sem jeito e desespera-se. Todos começam a comentar e se perguntam o que ele está esperando. A amiga preocupada pergunta da platéia:

-O que houve?

-Estou sem o papel!-ele responde disfarçando.

-E você não sabe de có?

Ele balança a cabeça e faz que não. Viu a moça o olhar nervoso e tinha que fazer alguma coisa. Então enfiou a mão no bolso da calça e tirou um papel de rascunhos de suas poesias antigas e sem encontrar nenhuma outra saída começa a ler:

"Um dia eu olhando pela janela

me apaixonei por uma flor

Foi quando eu percebi

Que rimava com amor..."

Ele soa frio e sem esperar é aplaudido de pé. Todos se setam e ele continua:

"Quando eu era pequeno

sujava a casa de barro

minha mãe disse 'menino tenha cuidado'

só depois eu entendi

quando ela me acertou um jarro..."

As pessoas se levantam e aplaudem, assobiam, na platéia comentam:

-Esse cara é bom!

Ele prossegue:

"Eu amei uma moça

mas não era seu Romeu

Mesmo sem ser amado agradeci

por que no fim ele morreu..."

Novamente aplaudem e gritam. Alguns até choram. A moça ver que todos adoraram as poesias e sorrir para ele. Realmente todos gostaram de seus rascunhos, e no fim o procuraram pedindo seu autógrafo.

-Você é um grande poeta, parabéns!

-Ah, obrigado!

-Adorei! Adorei! Quero ler o seu livro hein!

A moça se aproxima dele para parabenizá-lo.

-Nossa, acho que eu estava enganada sobre você!

-Ah, nem fui tão bem assim.

-O que? Todos adoraram suas poesias! Aposto que vai vender muitos livros! Parabéns!

Vem o responsável pelo evento e fala:

-Olha, eu não te conhecia, mas você surpreendeu!

-Ora...

-Acho que poderia fazer o desfecho das apresentações, já que você é a estrela da noite!

-O que? Não, eu não posso fazer isso...

-É claro que pode! Vamos lá!

Ele volta para o palco e é aplaudido quando recita sua última poesia.

"O sol da aurora

me fez lembrar daquela moça

que para conquistar

precisei de muita força

mas quem sabe um dia

ela me troca pela sua bolsa."

Todos sorriem e a moça também. Ainda no palco ele chama a atenção de todos antes de terminar o espetáculo:

-Agora, todos juntos, vamos cantar o hino dos poetas:

"Amor é fogo que arde sem se ver

é ferida que dói, e não se sente..."

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 01/12/2013
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