-MÃE, É A SUA CARA!

Dia desses rapidamente nos encontramos nos corredores da empresa, num tempinho suficiente para que trocássemos algumas palavras.

Ela, uma querida amiga, então me falava da vida, já da correria de avó, e depois dum garimpo de alguns assuntos a mais para um cafezinho, a conversa rolou gostosamente a ponto de esquecermos da vida.

Esquecer da vida é o modo de falar.

Sempre mulher guerreira, ela falava do seu trabalho árduo de sempre, das conquistas, dos filhos, dos netos, da sua aposentadoria que se aproxima já quase na compulsória e da sua filha que eu não a vejo há tempos.

Foi quando, de repente, me surgiu o tema para essa crônica.

Avisei-lhe que escreveria sobre.

Dizia-me ela que a sua filha havia viajado para bem longe e que lhe havia trazido um presente no mínimo inusitado. Senti que muito sutilmente ela me pedia uma opinião a respeito do tal presente.

Bem, de fato, tratava-se dum presente um tanto inusitado mesmo.

Tão inusiado que me deixou de saia justa, com vontade de dar boas risadas...como de fato demos.

Eu, na melhor das boas intenções, lhe dizia que essa coisa de presentear é uma arte para poucos...

É um perigo quando alguém , por exemplo, resolve nos dar um presente com o prólogo feito pela filha dela: "-mãe, achei a sua cara!".

Claro que não há nenhuma má intenção na tal exclamação, é que as vezes as pessoas são explícitas demais ao presentear alguém mais íntimo. Um perigo isso!

As pessoas têm mesmo a mania de falar que o presente é a cara da gente...

Já contei aqui que, certa vez, o marido duma amiga minha, bem no aniversário dela de quarenta anos, data bem delicada aliás, lhe presenteou com um pacote num SPA.

E ainda fundamentou bem gentilmente: "Mô ,é para você perder uns quilinhos...e continuar sempre bem linda..."

Aquele presente com a cara dela lhe valeu uma depressão aguda. Nada que não melhorasse depois duns dias num SPA de luxo.

Comigo não foi diferente, mas creio que foi bem pior.

Certa vez, uma amiga dentista, me presenteou no meu aniversário com uma escova de dentes. Não acreditei quando abri o pacote...Super fashion a tal da escova, não restava dúvidas.

E claro, não me falou que era a minha cara...mas assim que abri o presente na frente de todo mundo num espaço público ela me discursou assim: " Amiga, uma inovação "high- tech" para turbinar o seu sorriso!".

Prontamente entendi tudo! Nem precisavame explicar muito.

Conto ao leitor que discretamente fui até o espelho escondido mais próximo e sorri para mim com aquele sorriso de Garfield só para ver se havia algum problema técnico com o meu "layout" bucal.

Juro, não vi nada que precisasse de tanta tecnologia de ponta.

E nunca descobri se havia algo mesmo, pelo menos não através daquela minha amiga tão fissurada em escovação odontológica.

Bem, e foi com essas explanações que aqui faço que consolei a minha amiga avó recém presenteada pela filha com um presente "a cara dela", que de tão parecido, senti que lhe causou uma "big" duma crise existencial pela tamanha identidade daquele presente.

Trazido da Ásia, tratava-se dum artesanato regional: uma bolsa.

Até aí tudo bem. Qual mulher não gosta de ganhar uma uma bolsa, me respondam? Bingo!

O problema é que a bolsa-me explicava ela- tem uma aplicação bem cultural da região asiática ; um belo camelo, bem enooorme...e ainda com um detalhe fashion: a cabeleira toda escovada num topete pra cima, a la um "moicano" assustado.

E depois de ainda ouvir assim: "-mãe é a sua cara!" senti que minha amiga resolveu fazer uma breve terapia da vida passada ,tanto da vida em casa como na do duro trabalho, e claro, terminando por fazer uma repaginação total da vida...no cabeleireiro mais próximo.

E terminou a sua história me indagando com um sorriso: O que você acha do presente...é a minha cara mesmo?".

Comtemporizei com uma metáfora: "amiga, não se inquiete, o presente é a cara de todas nós, mães trabalhadoras!- e ao menos ...deduzo que sua filha presta atenção fidedigna na dureza das nossas vidas.

"Sinto-me presenteada também", eu lhe disse.

Ali senti que minha amiga, já bastante aliviada e comovida com aquele seu tao caro e prestimoso reconhecimento filial, também se convenceu que nunca ganhou um presente tão a cara dela...

E então, alegremente ela me desabafou:

"É, entendo que chegou a hora do camelo se aposentar mesmo...".

Nota:

Tudo Verídico.