O DELITO DUMA CALCINHA

A história é da minha amiga Sô...lange.

Dia agitado aquela terça -feira.

A Sô, que já tinha a agenda do dia completa com "n" compromissos profissionais, de repente mudou o seu trajeto de destino: sua mãe não passava bem, consequência do calorão da cidade seca e poluída, então, lá foi a Sô lhe prestar os primeiros socorros.

Mãe é tesouro e Sô tratou logo de resolver a situação.

Conheço a mãe da Sô: é daquelas senhoras idosas bem lúcidas que sempre (e ainda!) gosta de tudo bem arrumadinho, organizado, tudo nos trinques do seu devido lugar, e não deixa de dar boas broncas, inclusive na Sô e companhia, quando algo foge do seu controle disciplinar, mesmo frente às visitas mais inesperadas.

Regra de condomínio para a mãe da Sô...é lei inviolável.

Então, ao voltarem do Hospital, Sô resolveu dormir no apartamento da mãe porque achou melhor vigiá-la na saúde por mais aquela noite.

Como o que acontecera fora impevisto, Sô estava desabastecida de algumas trocas diárias de primeira necessidade, como roupas íntimas e um pijama para a noite.

Mas a mãe da Sô, então , já recuperada do susto, dava todas as ordens gestoras impecáveis daquele ordenado lar: "tome um banho, a toalha é essa, a calcinha e o pijama estão aqui...e boa noite".

Antes que Sô terminasse o banho sua mãe já lhe ordenava: "Ah sim, e pendura a toalha no varal, não a esqueça molhada sobre a cama, ok?" .

Sô, então, tratou de obedecê-la ainda mais completamente.

Lavou sua calcinha nova no chuveiro na intenção de dependurá-la no varal junto com a toalha.

Não sei dizer por que "cargas d'água" Sô mudou de propósito, e mesmo conhecedora das normas do condomínio, dependurou a toalha no varal mas deixou a calcinha a secar no parapeito largo e interno da Janela da lavanderia na esperança de que o vento da madrugada soprasse forte e a enxugásse para o uso do dia seguinte.

Calculou pela física intuitiva, que se o vento soprasse a calcinha seria imediatamente empurrada para dentro do apartamento, trajetória certa da física cinética dos velhos tempos.

Na manhã seguinte Sô perguntou algo preocupada: "mãe, você guardou a minha calcinha?"

"Que calcinha?" perguntou a mãe de Sô!

Rapidamente Sô percebeu que seu conhecimento de cálculo de cinética estava obsoleto. "Caramba, nem a física é mais a mesma!" concluiu Sô.

Dependurou-se, então, pela janela do sexto andar a procura da peça que já seca, porvalelmente voara pelo condomínio, bem mais leve que o vento.

Nada viu.

"Desce já daí menina, você vai despecar lá pra baixo"-exclamou a mãe de Sô, como nos velhos tempos de criança.

Sô desceu as escadas sorrateiramente e lá embaixo, na aérea comum do condomínio, como quem nada quer, olhou para cima para tentar mais uma vez calcular o plano do possível voo e pouso da sua calcinha, que culminava exatamente com o teto de acrílico da entrada do salão de festas...imaginem a cena.

Situação delicada, a da Sô.

" A senhora procura por alguma coisa, posso ajudar?" perguntou um todo solícito funcionário do condomínio, braço direito da síndica, como se ele já soubesse do ocorrido.

"Hã? A sim ,obrigada, não, não, estou só admirando as folhagens lá de cima, estão lindas, não, é o senhor quem cuida delas?"-disse Sô desajeitamente a cismar:" Será que foi ele quem achou a calcinha voadora?"

Voltando ao apartamento, lá em cima confessou a sua mãe o ocorrido.

"Sua calcinha transgrediu a regra do condomínio, se vier multa pela calcinha na janela...a conta será sua"-disse a mãe da Sô bem chateada com trangressão da regra condominal.

Até hoje, sei que ambas aguardam pela multa infracional, embora Sô deixasse mais uma ideia de física cinética para que sua mãe explicasse o possível fenômeno do sumiço da calcinha voadora:

" Mãe, qualquer coisa você diga que o vento soprou em direção contrária e aspirou a roupa seca, já mais leve, do varal duma vizinha, talvez, quem vai dizer que não?...ademais, diga para a síndica que a calcinha não bate com seu manequim, mãe, a prova numérica documental, nesse caso, é fundamental para esclarecer o delito!".

E Sô me contava desse acontecido...ainda meio chateada com o prejuízo pelo sumiço da sua calcinha nova, daquelas sem costuras-explicava- que eu acredito que até a síndica ficaria feliz em encontrá-la.

Eita, e eu aqui, acreditando que a Sô torceria para que a Sindica nunca se depare com a leitura dessa minha crônica, Sô!