NO DIA DAS CRIANÇAS, NABUCO QUERIA SABER ATÉ QUE IDADE USOU FRALDAS

Já havia vários dias que Nabuco estava pensativo, muito esquisito. Eulália percebeu, mas nada comentou. Apenas observava aquela modorra em que o seu marido estava mergulhado ou atolado. Ele não estava doente porque não esboçava nenhuma reação sintomática. Percebia-se nele somente que estava preocupado. Algo estava o instigando por dentro. O que seria?

Nabuco passava a maior parte do tempo olhando a rua, sentado da varanda, os carros passarem. As pessoas em seu curso natural de ida e volta. Eulália não queria perguntar nada. Podia cometer um deslize, deixá-lo mais inquieto ainda. Maluco ele não ficou porque não rasgou dinheiro nem tentou arrancar a roupa. Não, maluco ele não estava.

Os dias se passaram.

Era uma tarde quando Eulália ouve chamar no portão. Era dona Getulina, mãe de Nabuco.

-Oi, Eulália, Nabuco pediu para que eu viesse.

Eulália levou a sogra para a sala. Serviu um suco. Disse que Nabuco tinha ido comprar ração para o Mosley.

Pouco depois ele chegou.

-Mamãe!

-Meu Nabuquinho.

Ele foi até o armário arrumar os pacotes de ração para o papagaio.

Voltou em seguida:

-Mãe, preciso ter uma conversa séria com a senhora.

-O que foi, meu Nabuquinho?

-Mãe. –Nabuco segurou a mãe pelos ombros, olhando direto nos olhos dela. Um gesto que chegou a assustar Eulália. Depois completou: -Preciso ter uma conversa particular com a senhora. Se Eulália não se preocupar.

-Tudo bem, Nabuco.

Nabuco levou a mãe para o quarto. Lá dentro fez sua mãe sentar-se na beira da cama. Ficou calado de início, com a mão no queixo, como se estivesse em dúvidas como iniciar a conversa.

-O que foi, Nabuco? –perguntou a mãe, vendo que o filho nada dizia, se comportando estranhamente.

-Mãe.

-Sim.

Um instante de silêncio. Alquebrado apenas pelo som de um avião que cruzava o céu à distância. Nabuco permanecia a mesma incógnita de antes. Interrogativo. Dona Getulina podia captar um pequeno sentimento de medo ecoando dele.

-Meu filho. Está com medo?

Nabuco pegou a mão da sua mãe e levou-a ao peito e este gesto enterneceu dona Getulina. Este gesto levava a crer que Nabuco pedia segurança, proteção.

Ficou quase um minuto segurando a mão da mãe próxima ao peito. Os olhos de Nabuco transluziam algo recôndito, algo que precisava ser resgatado. Só uma mãe para reconhecer isso no filho.

-Está com medo, meu filho?

-Estou, mãe.

-Por isso que me chamou aqui?

-Sim.

Nabuco afastou a mão do peito, mas continuava segurando a mão de dona Getulina. Coração de mãe não mente e o coração desta mãe dizia que o filho Nabuco estava passando por uma fase difícil.

-Faz cinco meses, quase seis meses. –disse ele.

-Cinco meses do quê, filho?

-Estou procurando uma resposta para uma dúvida minha, uma dúvida que se instalou na minha cabeça e não quer sair.

-Pode dizer tudo pra sua mãe.

Nabuco respirou fundo. Tinha de levar adiante aquela conversa. Chamou a sua mãe até a sua casa e agora teria de terminar com aquela angústia.

-Mãe?

-Fala, filho.

-Me responda, sem nenhum rodeio. Eu quero uma resposta sincera. Promete me responder?

-Claro que sim, filho.

-Mãe: até que idade eu usei fraldas?

Dona Getulina ficou uns segundos medindo o semblante sério e sulcado da face de Nabuco.

-Por que isso, agora?

-Mãe, eu preciso saber. Mãe, isso é importante para mim. Eu não descansarei em paz se não tiver a resposta.

-Filho, não acha que...

-Mãe, eu quero que seja sincera comigo. Não vou ter paz se ficar com isso sem resposta na minha cabeça. Até que idade eu usei fraldas?

A porta daquele quarto ficou fechada durante quase duas horas e meia. Eulália preocupada. Ansiosa. Aguardava com curiosidade o fim daquela conversa. O carteiro passou, deixou cartas. O ônibus das crianças da escola parou em frente da casa para descer o menino do Pedro Paulo que morava ao lado. Um furgão que entrega gás veio trazer um botijão para a dona Zelinda. Cecília saiu arrastando o Jorginho em direção ao consultório do dentista; Jorginho aprontou um berreiro no meio da rua, não queria ir ao dentista de jeito nenhum. A dona Aurora falava com o seu papagaio, era a vizinha dos fundos. Ruídos de rodinhas de um isqueite rolavam pesadas contra o asfalto da rua, algazarra de molecada brincando distraidamente. O apito do vendedor de algodão doce.

A porta do quarto continuava fechada. Eulália ligou a televisão, girou os canais, foi até a porta, pegou uma vassoura, varreu o chão apenas por varrer. Foi buscar o tapete que havia lavado cedo, estendido no muro para secar. Posicionou-o junto da porta. Foi lavar uns copos na pia. Resolveu trocar a água dos beija-flores. Abria a porta do armário atrás do açúcar, quando houve um estalo.

De repente a porta do quarto se abre, dona Getulina praticamente correndo, tratou de pegar a sua bolsa em cima do sofá. Nem esperou Nabuco que vinha atrás, atabalhoado, tentando detê-la.

-Mamãe, espere!

Dona Getulina se livrava de Nabuco.

-Mamãe, espere!

Não adiantou. A mãe foi embora.

Eulália via tudo até então sem dizer uma única palavra, apenas assistindo a tudo. Tão admirada quanto a mãe de Nabuco ficou diante daquela pergunta.

Nabuco tinha ido até o portão da casa, tentando convencer a mãe voltar.

Retornava pouco depois, desanimado.

-Nabuco, o que foi? Posso saber?

Ele mirou bem dentro dos olhos dela:

-Ah, nada! Esquece.

Leozão Maçaroca
Enviado por Leozão Maçaroca em 12/10/2013
Código do texto: T4522034
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