ARNALDO ALVES E O PATO BEIJOQUEIRO
 
                        -Não, não, tenho pânico de aves, negativo– disse o apresentador de TV Arnaldo Alves, conhecido por ser o apresentador de um telejornal popular.
                   -O pato está na internet, bombando, o diretor geral mandou, é só um beijinho e pronto, você é profissional – disse o produtor Sérgio Santana.
                   Aquele dia Arnaldo foi para casa bolado, depois da graduação na UNB, pós-graduação, doutor em politica, queria fazer um jornalismo sério, porém descobriu de forma amarga que jornalismo sério não existia e que a única coisa que atraia os donos de TV em relação a sua pessoa era a sua cabeça redonda e a voz fina e tosca, mesmo quando estava calado todos o achavam engraçado.
                   Arnaldo queria ser levado respeitado. Nas rodas de funcionários todos diziam.
                   -Fica frio Arnaldo! Nosso programa está com a audiência alta, até aquela  repórter morena disse  que se você emagrecer um pouquinho topa o jantar que você vive oferecendo – era isso que todos achavam que Arnaldo era: um palhaço.
                   O apresentador era culto, lia autores importantes, gostava de filosofia e sociologia, seu conhecimento de politica internacional era memorável, ele se vestia elegantemente, o pior é que ninguém notava. O que importava mesmo é que Arnaldo fazia todo mundo rir.
                   -Parabéns, você é muito engraçado. – Era o que as pessoas diziam.
                   Nas horas de lazer com os amigos da emissora começava a falar de politica, filosofia, ética, se empolgava, gritava, porém quando olhava para mesa do bar, não tinha mais ninguém prestando atenção no que ele falava.
                   Estava separado há dois anos , a ex-mulher, Madalena Mendes, repórter carioca, era uma mulata escura, com cabelo esticados e corpo violão, Arnaldo deu sorte no casamento, mas depois de alguns meses passados do casamento ela queria um tempero na relação sexual, quando ela disse aquilo ele não aguentou, foi disparate, loucura.
                   -Dois homens nunca! O que o outro fará com você? Deus me livre! Não casei para isso. - disse Arnaldo.
                   A morena arrumou a mala, foi o fim do casamento, Arnaldo distraiu-se no emprego e foi demitido da emissora carioca, ficou dois meses desempregado.
                    Veio para Vitória convidado por um produtor: Sérgio que chegou a ver o seu programa no Rio e o achou bom.
                   Teve uma conversa com o diretor.
                   -Fica tranquilo, aqui somos uma família – disse o Diretor.
                   “Família de filhos da puta” pensou Arnaldo, todos andavam puxando o saco dos diretores, sem falar das repórteres que tinham envolvimento sexual, pulação de cerca, tudo embolado na emissora.
                   Ele caiu na real, manda quem pode obedece quem tem juízo, esse é o lema.
                   Uma vez ele escutou no café, atrás da porta, sorrateiramente a fofoca dos colegas.
                   -Pensa em uma cara feio – disse o produtor  e continuou a chacota – pensa em um cara mais feio ainda, agora pensa no Arnaldo, ele ganha de lavada, se eu fosse feio daquele jeito na primeira doença pedia a eutanásia – todos gargalhavam até os ventres pularem. Que desastre e ele que pensou que Sérgio fosse seu amigo.
                   Estava só no mundo, a sua querida mãe faleceu há três anos, o pai quatro anos antes, restava uma irmã que morava no Amapá.  O apartamento pequeno cheio de livros não lidos. Arnaldo caiu em uma nostalgia seca, necessitando de um amigo.
                   Ligou para o Edevaldo, o editor de esportes, que se dizia um  amigo para qualquer hora.
                   -Que é ? Ainda é a paranoia com seu pinto? - disse o Edevaldo – , você está querendo que eu falhe na hora “h” ?Não posso pensar nisso agora? São dez horas da noite, estou aqui convencendo a minha mulher a dá um “cruzo” diferente, não posso sair para tomar Chopp agora, vou desligar. Desencana você sabe que é o cara mais engraçado da emissora. – Arnaldo desligou ”mas que gente sem cultura!” Coisa séria é ser sozinho no mundo.
                   Tinha pânico de animais, mas o seu problema pior era com aves, tinha medo delas. Uma coisa brutal aconteceu quando criança: Arnaldo foi a um parque conhecer os animais, apertado para fazer xixi, ainda com quatro anos, arriou a cuequinha e começou a fazer o xixi na grama, a mãe tirava fotos, quando um ganso, saindo não sei de onde, deu uma bicada bem no seu pintinho e aquilo foi uma tragédia, a mãe segurou o menino no colo correu para um PS,  Arnaldo teve um rasgo que deixou o elemento torto para esquerda, assim ele cresceu.
                   Madalena reclamava.
                   -Esse “negocio” é muito torto – ele ficava magoado, ela completava – você literalmente ë de esquerda,
                   Aterrorizado com memórias ruins, rolou na cama. Atribuía tudo a coisa do beijo no pato. Acordou com ideias de vencedor: era preciso coragem, afinal a vida estava dura e tinha que manter a sua casa e ainda ajudava uma irmã doente.
                    Levantou às seis da manhã para caminhar, lavou bem o rosto e até fez uma oração, acreditar em Deus não custava nada, mas ler tanta filosofia estava acabando com sua fé.
                   Desceu a rua até a praia e foi andar no calçadão, para todo lado que andava via um pato, sentou na bancada e chorou.
                    Todos que passavam no calçadão paravam e cumprimentavam.
                   -Cara você me mata de rir. - disse um fã apertando a sua mão e completou – ouvi dizer que vai beijar o pato, legal.
                   Os outros apresentadores, por pura maldade, faziam a chamada em seus programas: “Arnaldo Alves beijará o pato esta noite” “não perca”, aquilo era inveja, maledicência.
                   Botou o terno e uma gravata rosa, era o mês da luta contra o câncer de mama. Vou enfrentar o pato, falou para o produtor.
                   -Só cuidado com o bicho – disse Sérgio – o dono têm o maior zelo.
                   O Jornal estava pronto, leu toda a pauta, vinte vezes, como fazia, queria tudo na sua cabeça, entrou no ar pontualmente às 19 horas, o diretor estava na sala de espera, ele ficava ali para ver os números do programa, Arnaldo estava no horário nobre.
                   Quando chegou a hora esperada entrou um homem vestido de Batman com um bicho no colo.
                   O bicho tinha um tamanho desproporcional para um pato, grande, gordo e feio, parecia que um dos olhos lacrimejava, Arnaldo ao ver o animal ficou mudo.
                   Em televisão aquilo pareceu tão engraçado que todos riram dentro do estúdio.
                   -Ele está fazendo graça – disse um câmera man. Mas Arnaldo estava petrificado, aterrorizado.
                   O homem que segurava o pato disse.
                   -Esse é o Robin.
                   -Que – gaguejou Arnaldo.
                   -Robin, o pato beijoqueiro – disso o homem, Robin virou a cabeça em direção à voz do dono, Arnaldo achou aquilo bizarro, estava tentando se controlar.
                   -O que foi isso no olho dele? - perguntou Arnaldo.
                   -Não gosto de falar no assunto, pois já superamos o trauma, mas como estamos na TV eu vou contar, o Robin beijou uma menina sem consentimento, ela deu uma dedada nele, pegou nos olhos, acho que aleijou, o veterinário disse que podia tirar o olho dele, mas ficou mais charmoso assim – nessa hora uma placa subiu.
                   “Beija  logo essa bosta de pato”. – Sergio segurava a placa e andava de um lado para o outro.
                   Arnaldo desconversou, perguntou quando o pato começou a beijar, nervoso, Arnaldo riu e fez palhaçada, parecia estar possuído e dizia “olha o pato beijoqueiro ai gente!”, mas não chegava perto do pato, quando o pato se aproximou, ele não aguentou.
                   -Não vou beijar esta merda de pato – disse diante das câmeras – tem uma coisa escorrendo do olho dele.
                   Entrou um comercial de margarina.
                   -Puta que pariu Arnaldo – disse Sérgio, diante do olhar surpreso do Batman– vou perder o meu emprego também, está ficando louco, dá o beijo no pato e encerra o caso, o diretor está lá dentro aborrecido, ele disse que está puto com você ,se você cair eu caio junto, pago duas pensões alimentícias, me salva, beija a porra do pato.
                   -O que está acontecendo – disse o Batman.
                   -É demais pra mim Sérgio, não consigo, o pato é muito feio. - disse Arnaldo saindo de perto do homem morcego.
                   -Finge que é a filha do Fábio Junior, Cléo Pires – disse Sérgio e deu uma coçada no  Piercing do nariz.
                   -Está bem. Vamos lá – disse Arnaldo segurando o ombro do produtor.
                   Voltaram, Arnaldo se concentrou, procurava não pensar no ganso arrancando um pedaço do seu pinto, quando o pato em uma medida intempestiva segurou a sua orelha  com o bico e jogou a língua dentro das profundezas do ouvido, ele pirou, deu um tapa no pato, então o  bicho escorregou da mão do desatento Homem Morcego e, para a surpresa de todos, em um voo rasante e calculado, Robin  saiu pela porta do estúdio, como autentico super-herói, depois pela janela, parando  em um prédio alto bem na frente da emissora.
                   O produtor olhou para o Arnaldo e disse.
                   -Colocaram no seu horário o pica-pau.
                   O Batman veio correndo até a janela observar o pato e gritou.
                   -Olha o que você fez!
                   Arnaldo puto e já sem emprego disse.
                   -Pula e vai buscar você não é o Batman?
                   
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 03/10/2013
Reeditado em 03/10/2013
Código do texto: T4509724
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