A lagoa é bem ali...
Era uma vez um rapaz festeiro como só ele: não faltava a xote, baião, xaxado ou forró, nem descartava pagode ou samba de mesa. Até a festa de quintal ia, inclusive sem ser convidado.
Ele tinha como amigo outro rapaz muito crente em deus e religioso como poucos: missa todo domingo, novena nos dias santos, rezas, genuflexões e promessas...
Mas logo aconteceria 'a maior festa da região!' (era a chamada do som volante); o Festeiro - logicamente - não faltaria: "Eu vou!"
E o Religioso, comedidamente: "Amigo, diga 'eu vou, se Deus quiser!'...", ao que o outro retrucou: "Se deus quiser eu vou, e se deus não quiser eu vou também!"
O Religioso - logicamente! - preocupou-se: "Olhe, que Deus castiga!...", ao que o Festeiro, sem medo algum, falou: "Tem nada, não, deus pode até castigar, mas EU VOU!"
Seja porque o criador 'tava de ovo virado, seja porque era hora de mostrar um bocadinho de poder, Festeiro virou sapo. E lugar de sapo é em brejo, beira de rio, lagoa...
Festeiro foi pulando baixo e curto (porque salto alto e longo, daqueles que assustam a gente, quem dá é perereca), pulando baixo e sempre, até que chegou à lagoa do título. E por lá foi ficando, sapeando...
Religioso era amigo de verdade: todo dia se chegava e orientava: "Se você se arrepender, Deus perdoa e tudo volta ao normal..." Até que num domingo em que Religioso faltou à missa para se solidarizar, Festeiro resolveu: "Perdão, meu Deus, tô arrependido!"
E tudo voltou ao normal.
Tempo passando, festa e mais festa acontecendo... Belo o dia em que um out door bem de frentezinho à casa de Festeiro anunciava: (mais uma) 'maior festa da região'. Ora, não deu outra: "Eu VOU!!!"
Religiososo, comedido como ele só, aconselhou: "Diga 'se Deus quiser eu vou', amigo..." Festeiro respondeu na hora: "Se deus quiser eu vou, se deus não quiser eu vou também!" Religioso - logicamente, de novo - ficou indignado, mas ainda preocupado: "Olhe, que Deus castiga de novo!..."; Festeiro, sem pejo algum, retaliou: "Não tem problema: deus pode castigar, mas EU VOU!"
Pois é: sapo! E sapo vai pulando para onde? Lagoa!
Religioso era irmão, camarada, mas de fé; dessa vez ia ver Festeiro só aos domingos, depois da missa. E aconselhava: "Arrependa-se, que Deus perdoa e tudo volta a ser como antes..." Até que num meio de semana chuvoso, sentindo falta do amigo, Festeiro resolveu: "Perdão, meu Deus, tô arrependido!"
E tudo voltou a ser como antes...
Tempo passando, festa e mais festa e muita festa acontecendo... Bela a manhã em que se escutou, pela TV da casa de Festeiro, a chamada para a (definitivamente) 'maior festa da região'. Bom, todos já sabem: "Eu vou." (assim mesmo: sem ponto de exclamação - só o final...)
Religioso, já aporrinhado, ainda pelejou: "Homem, diga ao menos 'se Deus quiser'!"
Festeiro respondeu em cima da bucha: "Se deus quiser eu vou, e se deus não quiser a lagoa é bem ali!"
*Eu tinha uns dez anos quando vô João de Deus me contou essa história. Achei graça do desembestamento - e contraditório pragmatismo - do rapaz festeiro, mas só entendi a piada aos quinze anos, quando, de uma enciclopédia de Ciências Biológicas, caiu-me às mãos certo volume de zoologia: exatamente o que descrevia a vida sexual dos anfíbios. Quase nem pude parar de rir. Aliás, estou rindo agora.