PINÓQUIO
Gepeto realmente se tornara um empresário de sucesso. Também pudera. Fora uma vida inteira dedicada ao negócio da fabricação de brinquedos. Não casara, não tivera filhos, e nem tivera tempo para pensar na importância destas coisas. Entretanto, a medida que a idade foi avançando, uma enorme angustia apoderou-se do coração do velho sovina, que passou a lamentar:
"Ai, de que adianta
tudo que fiz
se logo vou comer
capim pela raiz!"
De repente tudo passou a não ter mais sentido para ele. A solidão, que ele nunca realmente havia experimentado, apresentava-se agora em toda sua crueza, como uma doença incuravel, sem soluçao. Arranjar uma mulher era algo fora de cogitação. Após tantos anos dedicado somente a acumular o vil metal, nunca tivera contato mais profundo com o belo sexo, e temia que alguma aventureira arrebatasse a fortuna que arduamente juntara.
Sua vida foi, aos poucos, se tornando um imenso rosário de lamentações. Aquele empresário frio e calculista, ao chegar a noite, perdia toda sua racionalidade. O cúmulo foi quando passou a conversar com um boneco de madeira, protótipo de um modelo que nunca fora lançado. Ele chegou mesmo a botar um nome no boneco.
"Ai quem me dera
que estes olhos tivessem brilho
que este pedaço de madeira
se transformasse no meu filho"
Uma fada, que já estava cansada dos resmungos do velho, resolveu intervir, mesmo que isto fosse contra a lei das fadas. Usando sua varinha de condão deu vida ao boneco enquanto o velho dormia. Depois advertiu o boneco menino:
"Lhe dei pai rico e muito conforto
Vê se estuda e se comporta direito
Porque se aprontares eu volto
E comigo irás tomar jeito"
E desapareceu. Quando o velho acordou de manhã e viu seu filho vivo não conseguiu conter em si sua alegria. Pegou o menino pelas mãos e saiu com ele a passear na rua, mostrando-o para todos que conhecia. Encontrou um grupo de senhoras, e uma delas disse:
"Invejo tua sorte rara
Que belo foi teu fado
Ele é bem a sua cara
Cuspido e escarrado"
Depois que o velho saiu de perto, ficaram a debochar. Mas Gepeto nem percebeu, tão enlevado estava com sua súbita e inesperada paternidade. Pensou que o menino precisava ir para a escola. Mas como não queria Pinóquio estudando em escola comum, decidiu comprar uma para seu filho.
Entretanto, o excesso de mimos acabou estragando a personalidade do menino. Logo Pinóquio estaria aprontando na escola. Dava nó na alça das bolsas dos colegas de sala de aula, soltava bombinha no banheiro, rabiscava as paredes, colocando dizeres ofensivos aos professores.
"Dona Maria, que se diz
crente e renascida
Na verdade não passa
De uma p*** enrustida"
Don Maria ficou revoltadíssima, chegando mesmo a desmaiar. Tanto esforço para manter a reputação, e um pirralho mimado tinha o desplante de dizer uma coisa daquela! Todos na escola sabiam que aquilo só poderia ser coisa do Pinóquio, pois a tranquilidade ali terminara com a chegada dele, principalmente quando se juntou a dois outros notórios maus elementos, João Honesto e um tal de Gato.
Liderados por D.Maria, os funcionários da escola foram pedir providências ao Gepeto. Um professora reclamou:
"Ele é muito bagunceiro!"
Um outro emendou
"Acho que é maconheiro!"
Gepeto então levantou-se e , no seu estilo peculiar de lidar com seus empregados, falou que quem não estivesse satisfeito ali poderia pedir demissão a qualquer hora, e ordenou que parassem de perseguir seu querido filhinho.
"Vocês vêm exigir
Que eu lhes dê mais paz e sossego
Pois eu respondo dizendo
Tem muita gente querendo emprego"
Os empregados foram reclamar com o sindicato, que nada pôde (ou quis) fazer, até porque a única contribuição efetiva que recebia vinha do Gepeto. A fada, entretanto, que tudo vigiava, apareceu naquela noite para Pinóquio. Sabendo da vaidade do garoto, ela fez seu nariz crescer a cada mentira que ele dizia. Pinóquio,que achava lindo seu narizinho estilo Michel Temer, resolveu falar a verdade, pois não tinha vocação para Cirano de Bergerac.
A fada repetiu em tom mais firme a advertência que já tinha dado antes, e desapareceu, deixando Pinóquio pensativo.
Nos seis meses seguintes, todos ficaram admirados com a transformação do Pinóquio, que se tornara um menino estudioso. Passava horas na biblioteca e quando saía carregava ainda algum grosso volume de psicologia.
Mas a paz não durou para sempre. Logo já estaria havendo uma balbúrdia envolvendo Pinóquio. Os funcionários da escola agora entraram em greve devido à impunidade do peste. Entre outras coisas, ele espalhou uma tonelada de pó de mico a bordo de um helicóptero sobre o pessoal que estava no pátio da escola bem na hora do recreio. Também engravidou as filhas da zeladora, que todos sabiam ser moças donzelas.
E voltou a implicar com D. Maria, que segundo ele,
"além de feia é fofoqueira
Mas a gente sabe do que ela gosta
De qualquer maneira"
Gepeto foi dormir naquela noite calculando quantos ele iria demitir no outro dia para resolver aquele problema. A fada, no entanto, apareceu nevosíssima, já com uma motosserra na mão. Pinóquio, entretanto, invocando a Constituição, exigiu o direito ao contraditório, ao direito de se defender, ao que a fada, aparentemente democrática, aquiesceu.
Citando autores como Freud, Lacan, Reich, Jung e outros, Pinóquio disse que o fato de já ter nascido aos 7 anos, ter uma mãe ausente e um pai velho que só-pensa-no-trabalho-mas-lhe-dá-tudo, sua personalidade só poderia ser corrompida por um enorme complexo de édipo, e que, portanto, ela (a fada) era a principal culpada pelo que ele era.
A fada, vendo que ali não tinha mais jeito, resolveu desaparecer de vez, mudar de residência. Mas antes deixou uma mensagem gravada na secretária eletrônica do Gepeto.
"Ele é um caso perdido
lamento que a fazer nada me reste
Não dá para dele fazer
Coisa alguma que preste
Mas uma coisa ao menos
Já está bem definida
O que vai ser melhor
Para ele exercer na vida
Com esta cara de pau
E este falar empolado
Será, com certeza
Um puta advogado"
Enviado por Jimii em 17/02/2008