O rato na piscina

__Eu bem que te falei:compra um carro pipa e enche de uma vez essa piscina!Você não quis aceitar o conselho...Olha aí.

Gustavo não respondeu à esposa.Ao invés disso,observou por alguns segundos o balé aquático do pequeno roedor que,em sua luta desesperada pela sobrevivência,atravessava a piscina de lado a lado incansavelmente.

__Ele já deve ter urinado e defecado aí dentro;que nojo!__continuou a esposa,fazendo uma careta.

Aurélia era uma boa alma,disso Gustavo tinha certeza;e fora uma esposa correta nos quarenta e cinco anos de união do casal,mas tinha um defeito comum a muitas mulheres:criticava quando não tinha que criticar.

Gustavo sentia-se vítima do destino.Nos vinte anos em que tratara pessoalmente daquela piscina,nunca a havia esvaziado totalmente.A cada aspiração para retirar a sujeira do fundo,substituía parte da água velha por igual quantidade de nova e aplicava os produtos bactericidas corretos nas doses corretas.Fizera até curso para isso.

Há três meses atrás,porém,fizera uma viagem de quinze dias a Gramado com a patroa e deixara a casa nas mãos do filho mais novo.

O "rebento" de trinta e quatro anos,na ausência do pai,usou na piscina um produto que um amigo seu indicara para deixar os ladrilhos mais claros e o desastre tomou forma:uma reação química qualquer aconteceu entre o produto usado por Gustavo e o novo,deixando todos os ladrilhos manchados de azul escuro.

Depois de várias tentativas infrutíferas de limpar tudo com a piscina cheia,Gustavo viu que aquilo seria impossível.A crosta formada nas paredes e no fundo pela reação química teria que ser removida com o local seco,esfregando ladrilho por ladrilho.

Piscina esvaziada,Gustavo e o filho limparam tudo,as custas de vários produtos de limpeza e de lixas especias(e da pele das suas mãos).

O problema agora seria encher de novo aquele espaço que media oito metros de comprimento por cinco de largura,com um e oitenta de profundidade no fundo e um e sessenta no raso.

Se tudo fosse feito de uma vez,o valor elevado da conta obrigaria Gustavo a ter que ir pegá-la na cedae,e isso ele não queria;primeiro por que,desde que se aposentara,só saía de casa para se divertir,evitando lugares em que tivesse que perder tempo esperando mais do que dez minutos;e depois,financeiramente falando,não estava mais com essa bola toda.

Optou por encher gradativamente o tanque,respeitando o limite mensal,que ele controlava pela leitura do hidrômetro.

Recusou a idéia do carro pipa,pois não queria estranhos na sua casa.

Como vocês podem ver,Gustavo era neurótico e pão-duro.

Refeito do choque inicial,ele reagiu:

___Vou pegar a rede e afogá-lo!

__Afogar?!Aí ele vai vomitar as tripas na piscina!Eu que não entro mais ai!

Aurélia...Aurélia...

Sem comentar a fala da consorte ele foi até a casa de máquinas,onde ficava o filtro,e voltou com a rede triangular,que lembrava em muito aquelas usadas para pegar os peixes ornamentais dos aquários,só que era bem maior.Gustavo a usava para retirar as folhas que caíam na água.

Após acoplar um cano à rede,que possuía uma rosca em sua base,a caçada teve início.

Depois de alguns minutos escapando da rede,o roedor estava exausto e deixou-se apanhar,submergindo .

Gustavo manteve a rede firme enquanto a vítima consumia o último ar dos seus pulmões.Faltava pouco agora.

Foi quando uma voz infantil mudou o curso dos acontecimentos:

__ Vovô!O senhor vai matar o ratinho?

Era o seu neto de oito anos,que chegava trazido pelo seu filho mais velho.

Sentindo-se um assassino da pior espécie,Gustavo diminuiu a força no cano,deixando o roedor emergir e respirar um pouco.

Aquela era a oportunidade que o pequeno animal precisava.Com agilidade espantosa,o ratinho livrou-se da rede e conseguiu escalar o cano aos pulos em direção à Gustavo,que nem teve tempo de esboçar reação.

Em poucos segundos,o rato não só saiu da piscina,como aproveitou que o cano estava encostado no muro lateral da residência e pulou para a casa ao lado,sumindo.

Na fuga,encostou a cauda molhada no rosto de Gustavo,que ficou se contorcendo de repulsa.

__O vovô dança engraçado!RÁRÁRÁ!__riu-se o netinho

__Eu não falei que não ia dar certo?__criticou mais uma vez a esposa__Vamos ter que esvaziar tudo de novo!

__Deixa de besteira!É só colocar cloro que limpa tudo!A piscina não está nem cheia!__retrucou Gustavo,no limite de sua paciência

Algum tempo depois,o filho mais velho já tinha ido embora com o neto e os dois estavam sozinhos em casa.

Gustavo aplicara uma dose extra de cloro e de outros produtos na água,depois tomou banho e colocou uma roupa elegante.

__Você vai sair?__perguntou a esposa,que acabara de tomar banho e estava de toalha enrolada na cabeça.

__Vou__ele estava sério enquanto pegava a chave do carro e os documentos__Eu esqueci de te dizer que hoje é a missa de sétimo dia daquele meu amigo de ginásio,o Frank.

A mulher pegou o secador de cabelo que estava em cima da cama do casal e fez cara de espanto:

__Ué!A missa dele não foi semana passada?

__Semana passada foi a missa de um ano do Cleber,ex-colega de faculdade,lembra?

__Ah sim..Acho que me Lembro...__a expressão da mulher agora era bovina.

__Depois eu vou visitar aquele meu amigo de infância,o Lemos,que está acamado...Só vou voltar à noite.

__Quer que eu vá com você?

__Não!São visitas chatas,que eu só faço por dever cristão..

A esposa admirou o marido.Era um bom homem.Neurótico,mas bom.

No carro,Gustavo ligou para Manuela,garota de programa que sempre o socorria nas ocasiões em que a convivência matrimonial ficava difícil.

De vez em quando era bom para o bode dar umas cabeçadas fora do cercado...

Mas uma coisa intrigava Gustavo:como é que o rato foi cair na piscina?Alguma coisa estava errada naquela história,pensou...Rato é um bicho tão esperto!Anda em cima de fio!Cai de alturas enormes e não se machuca!Enxerga bem no escuro!

Aquele roedor devia estar meio "bichado",concluiu.

Logo depois,a lembrança do perfume da amante de aluguel dominou seus pensamentos...

Enquanto isso,no esgoto que corria por debaixo da casa do adúltero,o ratinho aspirante à nadador olímpico lambia suas feridas e descansava em meio a podridão.

Apesar do susto,ele não desistiria enquanto não conseguisse cruzar com a ratinha que se escondia na casa do filtro da piscina de Gustavo,e que fora a responsável pela sua queda na água durante uma perseguição amorosa noturna.

Parece que a ratinha gostava de fazer um doce....

arqueiro
Enviado por arqueiro em 25/08/2013
Reeditado em 23/02/2014
Código do texto: T4451433
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.