Olha a bicha, dona Laura!
Lá pela década de setenta, numa fazenda da região de Irecê havia uma senhora muito distinta chamada Laura. Ela cozinhava para os trabalhadores. Dentre eles havia um recém-chegado chamado Zé. Era um caboclo pernambucano de mais ou menos 50 anos, alto que usava um chapéu de couro típico de Pernambuco. Ao chegar na fazendo fez amizade com dona Laura e sempre que queria algo não hesitava em pedir para ela:
___Dona Laura me faz um cafezinho! Dona Laura, faz o meu prato! Dona Laura, faz um chazinho! Agora, cai bem um suquinho de humbú, dona Laura! Dona Laura isso, dona Laura aquilo...
Mas numa tarde deliciosa, em que a colheita estava boa e o preço do feijão, maravilhoso, os boias-frias descansavam depois do almoço, debaixo do pé de humbu. Dona Laura e suas colegas recolhiam os pratos sujos do chão enquanto os homens tiravam uma merecida soneca.
Foi nesta tarde que Zé, sentiu um formigamento nos pés e ficou alerta. O formigamento foi subindo e tomando as canelas, as coxas, aí ele percebeu que era mais que um formigamento e sim uma coisa viva e enrolar-se em suas pernas. Quando a tal coisa chegou bem perto do “bigulinho”, seu Zé, imediatamente, com coração aos pulos e os nervos enfraquecidos, enfiou, a mão dentro da calça folgada e segurou a coisa. Quando apertou a cabeça, o resto dela se enroscou mais ainda em suas pernas. Zé, percebendo que era algo tenebroso e morrendo de medo da cabeça da criatura encontrar-se com a outra cabeça perto de suas virilhas, ficou em pé de um só pulo e partiu para cima de Dona Laura a procura de ajuda. Mas, tudo que saiu foram frases estranhas que acordaram os homens. Desesperado, e pula daqui, pula de lá, o coitado gritava:
__Olha bicha, dona Laura! Me socorre, dona Laura!!
Dona Laura ao ver seu Zé de olhos arregalados suando igual cuscuz com a mão perto da virilha ficou um tanto quanto desconfiada.
___Que bicha seu Zé? Sai pra lá que não vou te aliviar.
___Segura a bicha, dona Laura! É a bicha, dona Laura! E, agora, dona Laura?
E Pula pra um lado e para o outro e vai para frente, ora para trás sentindo mais e mais coisa quente enrolada em suas pernas. Zé ficava aflito só em pensar o nome da danada.
Dona Laura foi se afastando do pé de humbu enquanto seu Zé gritava desesperado:
__E agora, dona Laura? Aperta a bicha, dona Laura!
A esta altura todos os homens, uns 30 mais ou menos, acompanhavam a cena, ora desconfiados, ora confusos sem entender a situação:
__O homem tá doido. Dizia seu Marco Antônio.
__Meu tio morreu assim, só que o dizer era diferente: Caiu a bicha dona Cotinha!!! Depois, de tanto gritar, deu uma tremedeira e caiu mortinho da silva. Informou seu Justino.
Seu Cândido tirou um terço do bolso e começou a orar a reza dos doidos: “Valei-me São Agripino, Santo Inácio e São Tomás, cure a maluqueza dele que é um homem de paz!”
Mas o homem estava desesperado e não havia reza que desse jeito.
__Mata a bicha, dona Laura! Me acuda, dona Laura! Os homens todos já despertos corriam de um lado para o outro procurando entender a confusão.
__Joga água, foi mordido pelo cachorro doido. Declarava Zebedeu!
___O que acontecendo, home? Perguntava seu Clementino.
___Ele tá vendo uma bicha. Como é a dita cuja, Zé? Perguntava seu Macário.
Mas Zè não conseguia ver nem ouvir seus companheiros e partia para dona Laura que a esta altura já estava no meio da roça junto aos montes de feijão arrancados fugindo de Zé sem saber o que estava acontecendo.
__Me acuda, dona Laura! A bicha é braba, dona Laura!
Um dos homens, seu Faustino, o mais esperto foi pra frente de Zé ver se desvendava o mistério. De tanto analisar o caso, olhando da cabeça aos pés do aflito, percebeu uma cauda num dos pés de Zé enroscado, e gritou desesperado:
__É uma cobra! Tá dentro das calças de dele. Acudam.
Berlamino ajoelhou-se e rezou a reza contra cobra; “Senhor São Bento livra ele do mal e da bicha azarenta.”
____Aperta a cabeça, home! Pedia seu Marculino.
___Cuidado para não apertar a cabeça errada!!! Lembrava seu Ambrósio.
Seu Zé sabia disso, mas temia que o apertão não fosse o suficiente para esmagar a cabeça da cobra. Por isso, com medo da picada gritava ainda mais.
___Pega a bicha, mata a bicha, esmaga a bicha, dona Laura!
Depois de tanto apertar, seu Zé percebeu a cobra desprendendo de suas pernas até ficar totalmente dependurada. Mais calmo, o pobre caboclo relaxou mais um pouco e puxou a cobra pela cabeça mostrando aos presentes. Tudo mundo suspirou aliviado ao ver que o perigo tinha passado.
A cobra lá, esticada, com a cabeça esmagada e seu Zé tremendo igual a uma vara de marmelo. Alguém lhe ofereceu água. E tudo foi voltando ao normal.
__Tu tá bem Zé? Perguntou dona Laura.
___Sim, dona Laura. Respondeu seu Zé todo acanhado. Foi a deixa para algum engraçadinho gritar bem alto.
__Olha a bicha dona Laura! E todos caíram na gargalhada. Á tarde toda não se falou em outra coisa. E seu Zé, coitado, ficava na roça, acuado pela “pirraça” dos companheiros, mas bastante aliviado por não ter acontecido o pior. Mas quando seu Zé ia fazer compras na feira da Errada sempre tinha um moleque na rua Militão, segurando o bigulinho e gritando alto:
__ Olha a bicha, dona Laura! Outros moleques se juntavam ao primeiro formando um coro animado a repetir a frase atrás de seu Zé. O coitado, não aguentando de vergonha, resolveu encarar a molecada e dar a volta por cima. Convidou os moleques para ouvir toda a história contada por ele mesmo. Depois de rirem muito da situação perdeu a graça de “atentar” seu Zé e deixaram o caboclo em paz. Depois da lavoura do feijão, seu Zé voltou para Pernambuco e nunca mais voltou. Mas sua história continua fazendo muita gente rir até os dias de hoje.
Luz Ribeiro, 24 de agosto de 2013.