AS "MARIPOSAS"

A massa polar que atingiu as regiões sul, sudeste e centro-oeste na semana passada, lembrou-me desse acontecimento, calculo que deve ter ocorrido entre 1968 a 1970.

Fazia muito frio em Curitiba. O que fazer naquela noite? Tomar uma sopa numa casa especializada que ficava perto do hotel era o jantar. E depois? Assistir televisão? Não éramos disso. Aí lembramos que em um cinema próximo estava em exibição o clássico de 11 Oscares. A gente já havia assistido na época de lançamento há uns seis anos, mas sempre é lindo ver novamente, principalmente, a cena da corrida de quadrigas. Sensacional para uma época em que não havia computação gráfica. Na história de Holywood só Ben Hur e Titanic tiveram essa premiação. Fico com Ben Hur. Sempre vale a pena ver.

Aquecidos com a sopa fomos ao cinema. Duas freiras estavam no cinema. Aos poucos, o calor que a sopa proporcionava, foi indo embora e o friozinho chegando. Eu já sentia dor de cabeça. Cheguei a comentar com meu amigo:

- Sorte dessas irmãs que estão com a cabeça coberta e aquela vestimenta até os pés, só tomam ar no rosto.

- Elas estão bem quentinhas, disse meu amigo. “Tudo”, maliciosamente.

Risos. – Não fosse pela corrida de quadrigas, eu picava a mula.

- Eu também.

E por causa da corrida ficamos até o fim do filme que terminou à meia noite. Acenderam as luzes e vimos que somente nós e as freiras encontrávamos no cinema. Olhamos bem para elas (com respeito) e vimos que não eram novas, talvez já fossem madres. Encontramo-nos na saída com as irmãs, porque chovia e ventava e tivemos que esperar amainar um pouco. Acho que até elas gostaram da nossa presença, pois quando se apagaram as luzes externas no cinema, uma delas puxou assunto perguntando:

- Gostaram do filme? Lindo, não acharam?

- Gostamos sim, mas do que não estamos gostando nada é dessa chuva e desse frio.

Nesse momento apareceu um taxi e elas se foram. A conversa terminou aí. Creio que o taxi já estava contratado, pois não havia uma viva alma circulando. Quando a chuva acalmou e só ventava, rumamos para o hotel que também não ficava longe, mas no caminho vimos as “mariposas” (as damas da noite) de minissaia todas encolhidas e arrepiadas, como casca de jaca, fazendo o seu “trottoir”. Uma delas fez o convite.

- Vamos, meu amor.

- Com esse frio? O meu “instrumento” já sumiu, virou uma berruguinha, respondi.

- Santo, sinto pena dessas mulheres. Vida de “mariposa” não é moleza. Hoje, com esse frio, não há faturamento. Loucos somos nós mesmos. Olhe para qualquer direção e você não vê uma viva alma. Nós, as freiras e as “mariposas” tivemos coragem de sair na rua. Hoje vimos as representantes do céu e as condenadas pelas religiões, os dois extremos.

Passamos frio, pois não estávamos preparados para aquele inverno. Não levamos agasalhos e também não os tínhamos para as pernas. Nossas pernas deviam estar arrepiadas como as das “mariposas”. Os termômetros de rua marcavam -1ºC.

O hotel em que a gente estava hospedado não era tão confortável. O ar condicionado não era quente e por baixo da porta entrava um vento gélido que deixava o ambiente muito frio. A metáfora do “berruguinha” era verdadeira. Arrumei uns panos e vedei a entrada do ar. Cobertores não faltaram e dormi bem. Amanheceu frio demais e fui trabalhar com aquela roupa leve. Durante o horário de almoço fomos a uma loja. Eu comprei dois mijões, um capote até o joelho uma boina. Pensava que gastaria aquele dinheiro só para aquela temporada, mas arrumamos tanto serviço que cheguei a trabalhar um ano em Curitiba seguidamente. Vinha a São Paulo para acertar as contas e visitar a família. Fiquei hóspede daquele hotel por sete anos, tamanho foi o carinho com que fomos tratados.

Nesse período ele sofreu uma reforma e tornou-se um hotel de melhor categoria, passou de três para quatro estrelas, nada mal.

Quanto ao capote, ele durou muito tempo. Casei e engordei dezoito quilos, dei o capote para meu pai, quando ele faleceu, ficou com meu tio, este também veio a falecer. A partir daí não sei mais a historia do capote.

SANTO BRONZATO 31/7/2.013

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 31/07/2013
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