Um mistério de barriga

 

 

Dr. Rodrigo sempre foi o mais azarado da turma e o mais esforçado, de família pobre comeu o pão que o diabo amaçou para se formar(saiu do supletivo), casou cedo teve três filhos(amor é assim mesmo, hoje divorciado paga pensão dos três), se lascou, não pode fazer residência médica, não poderia ser clinico cardiologista como o seu avô , por isso trabalhava naquele plantão infeliz(sus terceirizado, o pior de todos) desses que só recém-formados aceitam, onde vai parar de tudo, de gestante a traumatismo craniano, no estilo atendimento escravo(quanto mais pacientes melhor). Aquele dia fatídico às dez da noite, protestos para todo lado contra corrupção no Brasil, gente chegando com ferimentos causados pela delicada policia(em nada diferente da policia de 1968, ano do nascimento do ilustre doutor) que se arma contra os “vândalos” e “mascarados”. Pronto socorro cheio, vinte fichas médicas esperavam(que eram feitas a jato por atendentes de uniformes e sorrisos prontos, falsas de salario baixo, povo descartável, cada dia era uma recepcionista diferente) . Nesta fuzarca própria de países bons de bola, entram três pessoas após Dr. Rodrigo chamar.

-Maria Jesus de Nazaré – assim, uma senhora de aproximadamente cinquenta anos, uma adolescente de treze e um senhor que aparentava mais de sessenta que usava terno gravata, bigode aparado e portava, de forma distinta, um livro preto que o Dr. Rodrigo poderia jurar ser uma bíblia (o livro preto de bordas prateadas), ao entrar as pessoas educadas emitiram saudações do tipo:'boa noite doutor”, “que caos”. Dois sentaram na cadeira a frente do médico, a menina e a senhora, o senhor ficou de pé, em baixo do braço o livro preto de bordas douradas.

-Senhora Maria, o que está sentindo? - perguntou Dr. Rodrigo.

-Primeiro quero lhe apresentar, Gildete, minha filha que tem treze anos e quer estudar para ser médica, pastor Bráulio, meu consultor espiritual, meu amigo, um pai para mim – o médico acenou com a cabeça – estou com muita dor abdominal...

-Nós já oramos e fizemos um trabalho espiritual doutor, eu pessoalmente acho que é um aneurisma, porque pulsa – ele fez um gesto com o punho imitando um pulso - , pedimos a Jesus, porém a dor persiste, então, em reunião com meus diáconos, entendemos que se Deus deu inteligencia para os médicos é para cuidar do povo, decidimos trazer neste hospital, olhando para a sua face digna do temor de Deus, sinto que vai nos ajudar, vai descobrir e retirar esse aneurisma – disse o pastor.

-Olha senhor... - disse o médico fazendo-se de desentendido – como é mesmo o seu nome?

-Pastor Bráulio do Nascimento, um criado – disse o homem de bigode.

-Estamos em um caos aqui, poderia deixar apenas a paciente falar, assim facilita o trabalho médico?

-Não doutor, não fale assim com o Pastor, assim o senhor está sendo grosseiro, ele fala por mim também, eu acredito que seja esse tal de aneurisma o pastor nunca erra – disse Maria.

Dr. Rodrigo olhou para a barriga enorme de dona Maria, foi quando o Pastor disse.

-Vou esperar la fora, esses médicos de hoje são desumanos e de péssima educação, no entanto não esqueça de pesquisar o aneurisma abdominal, ele pulsa – fez o gesto com o punho.

Dr Rodrigo limpou o suor da testa com a ponta do jaleco e disse – Senhora, desculpe perguntar, pois também sou gordinho, a senhora está obesa ou está grávida?

-Não mente mãe – disse Gildete – chega de mentir.

-Ai doutor, sabe que eu não sei – disse Dona Maria, nesse momento notou um sorriso nervoso nos lábios de Gildete que parecia aliviada.

-Pode me acompanhar até a sala de ginecologia e obstetrícia – com muito custo a senhora concordou, na passagem, do lado de fora o pastor olhou de canto de olho, havia raiva misturada com desespero, do lado uma mulher, de saia longa, rosto carcomido por uma velhice antecipada (um ser sem libido, pensou o Dr Rodrigo) e cabelos mal cuidados, embrulhados atrás da cabeça, pela proximidade do pastor, tinha o braço enlaçado no braço da autoridade clerical, Dr. Rodrigo desconfiou que fosse a esposa.

-Jesus está contigo minha filha, manda esse aneurisma para inferno – disse a mulher aos gritos, Dr. Rodrigo temeu que o apocalipse começasse ali, diante dos ânimos exaltados pelos protestos, de tantos representantes da igreja do Pastor Bráulio e da sua própria esposa, certamente as noticias não seriam boas.

Dona Maria andava devagar, quando um liquido escorreu pela perna.

-Ai Jesus, o aneurisma rompeu – disse e quase desfaleceu, porém foi segura por Gildete, heroína do Dr. Rodrigo, que com treze anos, parecia ser a pessoa mais lucida em todo grupo de religiosos.

-Cadeira de rodas gente, pelo amor de Deus, minha mãe vai desmaiar – disse Gildete, um enfermeiro chegou correndo com uma cadeira.

-Meu Jesus, Doutor quem sabe se eu fizer cocô não ajuda – disse Dona Maria – gente eu preciso de um banheiro.

O hospital estava lotado a sala de ginecologia ficava dois corredores a diante da sala de emergência, com a visão periférica Dr. Rodrigo notou que o pastor seguia o grupo de longe, mesmo na pior das hipóteses alguma coisa horrível aconteceria ali, dona Maria era uma mulher baixa e gorda, na cadeira com dificuldade, ao seu lado a filha era um contraste, tinha um olhar inteligente e um andar sereno, talvez ela já soubesse de tudo?

-O que a senhora está sentindo? - perguntou Dr. Rodrigo preocupado.

-Uma imensa vontade de cagar – disse dona Maria.

Ao chegar ao consultório pediram para que tirassem a roupa e deitasse na maca Ginecologica, assim ela fez.

Foi dona Maria deitar e o fedor subiu, Gildete quase vomitou e disse.

-Mamãe a senhora não podia esperar um pouquinho para fazer cocô?

Dona Maria com a respiração rápida tentou responder.

-Minha filha não dava mais, ele é médico fez um juramento para entender estes pequenos detalhes e você é minha filha saiu daqui– a dor apertou e a respiração ficou mais rápida – vem mais por ai...Meu Deus que vergonha!

Dr. Rodrigo colocou o sonar e escutou o tic-tac do coração.

-Acho que devo lhe dar os parabéns, a senhora vai ter um filho....

-Não me fale uma coisa dessas Doutor? - disse Dona Maria.

-Olhe só – disse Dr. Rodrigo e colocou para escutar, tic-tac – isso é um coração bebê.

-Só por esse barulhinho o senhor já sabe? - disse Dona Maria – O pastor Bráulio disse que pode ser um aneurisma.

Nesta hora o Dr. João apareceu.

-Mais que fedor de merda é esse? Ué, Rodrigo o que faz no meu consultório? – disse o obstetra.

-Ai meu Jesus! Estou pelada com esse bando de homem aqui dentro, quem é esse senhor? - perguntou dona Maria.

-Eu sou o Dr. João, Obstetra de plantão e por acaso esse é o meu consultório e a pergunta de um milhão de dólares é: o que vocês estão fazendo aqui?

-Tem um aneurisma querendo nascer João, pode me ajudar?

Outro médico apareceu na porta.

-Alguém falou em aneurisma – disse o Dr. Fernando, cirurgião vascular – Sou membro da igreja do Pastor Bráulio, ele me disse que tem um membro da nossa igreja com aneurisma aqui?

Dr. Rodrigo, que havia chamado o Doutor Fernando várias vezes e ele nunca atendia está sempre ocupado(sempre aparecia para atender os membros da igreja) ficou surpreso com a presença do vascular, sem aumentar muito o ar de deboche disse.

-Vem amiguinho, vem ver esse aneurisma nascer, vamos ver a cara dele, com quem ele parece.

Neste momento Gildete disse.

-Deixa mamãe, eu falo com pastor que a casa caiu.

Dois minutos depois, Dr. João e Dr. Rodrigo estavam envolvidos em um parto normal complicado. O pastor estava na sala de emergência com dor no peito e pressão alta, depois que Gildete lhe contou a novidade teve uma tontura.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 01/07/2013
Reeditado em 03/09/2013
Código do texto: T4366904
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