O MARIDO DA SANTA

“Ma jeunesse ne fut qu’un ténébreux orage,

Traversé çà et là par de brillants soleils; “

Baudelaire

" Minha juventude foi apenas uma tenebrosa tempestade

Atravessada aqui e ali por brilhantes sóis;"

Esta história começa no longínquo dia do casamento de Maria Lídia, moça fina, bem educada, religiosa, com Lourenço, rapaz estabanado que lhe fora apresentado por um de seus irmãos. Foi na cidade de Campo Seco.

Justamente quando todos estavam atentos à cerimônia, noivos no altar, aparece uma mulher grávida , gritando que o filho que ela esperava era do noivo. Burburinho, confusão, decepção e vergonha. Entretanto, nada que detivesse o casamento.

Assim começaram os recém-casados uma vida que nunca foi tranquila.

Emocionalmente, ela não podia esperar muito dele, porque era inquieto e desprovido de uma certa paz com a qual a esposa espera sempre contar. E materialmente, ele não tinha a calma e o sossego para se firmar num trabalho para a manutenção da casa.

O que ele fazia bem, era se relacionar com pessoas influentes do seu Estado. Assim, conseguia uma ou outra atividade rápida e remuneratória.

Ele detestava emprego. Maria Lídia era apaixonada. Achava-o inteligente e corajoso, sem contar que era bonito e elegante. Tinha o dom da oratória e numa campanha política para governador, ele fazia discursos convincentes.

Quando o candidato eleito ofereceu-lhe um emprego, ele recusou na hora e sob protestos:

_ Então eu lhe presto um favor e você vem me oferecendo trabalho?

Lourenço era uma personalidade muito tosca no sentido de não haver quase nada que pudesse mudar a sua conduta irresponsável e moleca. Nem a chegada dos filhos trouxe qualquer mudança. Amava o Direito e certa vez trocou um par de sapatos por um “ Vade-Mecum” ( conjunto de códigos de leis ) velho. Frequentemente discursava sobre temas de Direito. Era considerado na cidade um rábula.

Enquanto isso, Maria Lídia cuidava das crianças e lecionava , para o sustento da família. Ela não podia esperar por ele, pois um dia chegava com dinheiro e outro não. Consequência de negócios e da mesa de jogo.

Às vezes, parecia que aquele marido nunca havia crescido. De vez em quando, ele defecava, tinha o trabalho de enrolar o excremento num pacote muito bem feito e deixava num ponto estratégico da rua. O sujeito via, se aproximava, olhava pra um lado, pra outro e...chutava o pacote, enfiando o pé na sujeira. E ele rindo olhando de longe. Ou então , deixava o embrulho nojento, com papel de presente, sobre o balcão de algum bar. O sujeito se vigiava todo e depois levava pra casa, para a delícia de Lourenço.

Um dia, ofereceu a Manoel Pretinho que faria um trabalho pra ajudá-lo, caso o rapaz quisesse. A venda dos pães que Manoel Pretinho levava na cesta estava muito baixa.

Era um ritual . Dentro de um galpão e com um cinto, Lourenço dançava em volta do rapaz, chicoteando-o e cantando: “ Aonde vai Girimureque? Vai pra terra de Caiombe.” Repetiu várias vezes o ritual. Dias depois , o Manoel veio dizer-lhe que as vendas tinham aumentado bastante. O pobre coitado acreditara na maldosa travessura.

Certa vez, ausentou-se da cidade e depois de alguns dias, a família recebeu um telegrama comunicando sua morte. Foi uma movimentação! Pêsames, a espera do corpo que chegaria de São Paulo no dia seguinte...

Mas, eis que, de repente, ele é visto na cidade. Foi uma correria! Gente assustada; gente perguntando:

_ E era ele mesmo?

_Sim! O telegrama foi ele quem passou. Só de molecagem!

Mesmo sem ter o vício da bebida, com seu temperamento buliçoso, agitado, irreverente e insubmisso, imprimiu grandes sofrimentos a si próprio e à família.

Por isso, todas as pessoas que conheceram Maria Lídia, com sua calma e sua história, diziam:

_ A Maria Lídia é uma Santa!

Esther Lessa
Enviado por Esther Lessa em 23/06/2013
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