GRÁVIDA DE MELANCIA NA FILA DO BANCO
Carlão estava na fila do banco. Uma fila enorme, cansativa, como todo início de mês. Office-boys com enormes malotes, inúmeras notas. O diabo.
Carlão, então, vendo que o caixa destinado a gestantes, pessoas idosas e outras, estava praticamente vazia.
Foi embora. Minutos depois estava de volta. Com uma peruca loira vestindo uma camisola, e com um barrigão enorme. Os lábios medonhamente pintados, ou borrados por um batom espalhafatoso.
Segurava a barrigona.
-Mas esse menino está impossível. -disse Carlão, disfarçando, tentando afinar a voz. Estava parecendo a voz da Vovó Mafalda.
Ele só não contava com a barba por fazer, exposta. E as pernas peludas saindo da camisola. Sem falar que de vez em quando metia a mão na bunda pra puxar a cueca que entrava a todo momento e provocava uma sensação horrível no rego.
-Acho que há algo estranho aqui.
-Como, algo estranho?! -Carlão mexia na barriga.
-Você não parece o que é.
-Ah, não! Não vem com essa de Fred agora não!
-Freud, a senhora... ou o quer que seja está tentando se referir.
-Fique você sabendo que eu engravidei num acidente. Eu e o Estevão brincávamos na gangorra. E tudo aconteceu... O maldito. Mal-di-to!
-Sei lá...
-Como sei lá, minha senhora! Sou desse jeito porque não tive sorte na vida de ser uma modelo. Veja, minhas pernas peludas. Desde pequena passei por tratamento, mas nada adiantou. Olha só. Eu não queria. Uma gravidez neste momento não estava nos planos... Eu falei pro Estevão, aquele maldito, mas ele estava muito excitado. Não encontrei o maldito anticoncepcional a tempo!
-Hummm!
-Eu não tive sorte. Sou uma doida. -e a barriga insistia em querer cair. Carlão, num solavanco puxou-a. E todos olhando. -Ah, desculpe, é a minha primeira gravidez. Não estou acostumada. Fica quieto aí! Mas que coisa!
-Como é o seu nome?
-Mafalda.
-Coincidência! O mesmo nome da Vovó Mafalda.
-Minha mãe assistia muito a Vovó Mafalda.
-Mas você tem certeza que é o que é?
-Por favor... -ela fingiu chorar, -... tive muitos desgostos na vida. Por favor, sei que não sou uma Gisele Budchen... Ainda tenho que chegar em casa e suportar o Estevão. Desde que soube que estou grávida, ele me espanca. É todo dia. Minha vida está um inferno. Ele não está aceitando isso. Essa minha gravidez.
-Entendo. Acho que se fosse eu estaria preocupado também... - a caixa do banco ficou olhando para Carlão naquele estado... -Sabe-se lá o que vai sair daí.
Carlão, de peruca loira, despenteada, pernas peludas, de camisola. O batom cada vez mais borrado. Batia na barriga postiça:
-Mas isso é meu. -É meu! -e chorava, -O que vai nascer é meu! Puxa, é algo que vem de mim. De dentro mim. O espermatozóide do Estevão encontrou-se com o meu óvulo e tudo começou.
-Nossa, deve ter sido um espetáculo incrível.
-Olhando para mim, a vida prevalece. A vida quer vencer....
-Dá trabalho acreditar... mas tudo bem...
-Um dia, eu e o Estevão tínhamos brigado. Ele tinha me dado dois pé-do-ouvido. Mas eu tinha acertado uma cotovelada bem no olho dele... Papai e mamãe foram lá em casa. Papai, calmo como sempre, perguntou porque Estevão não estava me fazendo feliz. Sabe o que Estevão teve a petulância de falar? Que era eu.... Eu! Eu que não queria ser feliz. Que era eu que evitava a felicidade que ele me dava... Óh, me dá tontura só de lembrar. Estevão me ama, o problema é que ele não tem como expressar o seu amor. Um dia ele me deu um pneu de trator. Acho lindo isso. Papai achou que se ele quisesse mesmo a minha felicidade não tinha me dado um pneu de trator. Mas vá lá entender o amor. O nosso amor é limpo puro, como canela de freira. Pena que as outras pessoas não querem aceitar isso.
Quando aconteceu. A barriga postiça era uma melancia redonda que Carlão havia comprado ali de uma banca ao lado da agência. Carlão não conseguiu segurar a melancia e caiu no chão espatifando, espalhando o seu interior vermelho para todo lado.
Na mesma da hora pôs a mão na cabeça e começou a gritar:
-Jesus! Jesus! Abortei! Abortei! Abortei! Façam alguma coisa! Abortei! Abortei!