Meu velho pai e a sua língua portuguesa brasileira 4
Já diziam os eruditos que a nossa língua portuguesa é muito romântica, portadora de palavras belíssimas, bem como pelo uso do superlativo, tão comum a línguas latinas como a nossa, tais como: saudade, sobrancelha, maravilhoso, entre tantas, e outras tão esdrúxulas quanto à própria palavra esdrúxula, agora a língua que o meu pai falava tinha umas variações ortográficas um tanto quanto curiosas, então vamos lá:
Eu seio – eu sei
Eu guardeio – Eu guardei
Eu pegueio – Eu peguei
Mimilha – Me humilha
Zôtros - Outros
Uma vez eu estava desempregado, por volta dos vinte e poucos anos, já fazia uns três anos que não via o meu pai, ele trabalhava naquela época fazendo uns bicos com fibra de vidro em revestimento de piscinas. Ele me convidou para ajuda-lo num serviço em um prédio de classe média, era um revestimento na piscina da cobertura de um prédio de quinze andares, os elevadores estavam em manutenção e tivemos que subir com os materiais pelas escadas, eu sempre tive muito medo de altura. O diálogo foi parecido com o que se segue:
– Pai, o senhor sabe que eu tenho medo de altura?
- Eu seio.
– Pai, o senhor pegou o catalizador e a manta?
- Eu pegueio.
Como fazia um bom tempo que eu não o via, eu o achei um pouco fora de forma, éramos quatro pessoas, meu pai e eu como ajudantes e outros dois oficiais, acabei falando meio sem querer que ele estivesse um pouco barrigudo na frente deles.
Quando terminamos o serviço e voltamos pra minha casa, meu pai me disse o seguinte:
- Eu guardeio uma parte do meu pagamento pra você; estou muito triste contigo, nunca mais mimilhe na frente dos zotros, eu não gosto que ninguém mimilha...
Ele era muito orgulhoso, e apesar de estar ofegante e aparentar cansaço por um serviço que não durou nem uns quarenta minutos, achou que eu chama-lo de um pouco barrigudo na frente de outros foi humilhante...
Saudades meu pai...