O DIFÍCIL PRIMEIRO EMPREGO
Lembro-me do primeiro emprego. Saía pela cidade, oferecendo meus trabalhos. Entrei numa loja de material para construção. Conversei com o responsável pelo lugar. Ele me perguntou se eu tinha curso. Eu que havia saído recentemente da roça, sabia de conhecimento matuto e bruto que tratávamos curso, como desinteria, diarréia em bezerros. Assim que o cidadão me fez a pergunta respondi de pronto: Claro que não tenho curso. Tomo remédio, seu moço.
Minha vó sempre me ajudava. Então ela disse que eu tinha uma cabeça privilegiada, que eu tinha de arranjar trabalho num lugar onde as pessoas usassem mais a cabeça.
Eu tenho cabeça boa, vó.
Então arranjei trabalho onde se usava muito a cabeça. Num armazém de beneficiar café. Um trabalho onde se usava a cabeça, pois todos os sacos de café eram levados na cabeça pelos suados e musculosos carregadores.
Depois disso fui até uma oficina mecânica. Entrei, perguntei com quem conversava sobre trabalho. Me indicaram uma divisória feita de latão e folha de zinco, com uma porta de folhão, toda manchada de graxa e óleo, por milhares de mãos que ali pegaram. Havia escrito com o dedo, usando tinta amarela, numas letras tortuosas no zinco da porta: Adeministrassão (sim, escrito dessa maneira com dois "s".
Bati na porta.
-Quem será o bastardo que está batendo aí fora?!
Só pela educação da atenção dispensada na minha chegada, então concluí que seria parada dura.
-O senhor é o senhor Gonzaga?
-Se não tiver outro carcará no mundo com esse nome e esse jeito de excomungado, então sou eu mesmo.
-Posso entrar?
-Entra o piolhento.
Entrei, empurrando a porta de folhão que fez um ruído semelhante a um mugido de boi.
-O que você quer?
O homem tinha uma barba que dava a impressão que séculos estava por fazer. Dois olhos que pareciam dois maçaricos. Dois braços que davam a impressão de duas toras tiradas dos matos mais bravios. Sua voz parecia um tiro de canhão. O nariz do cidadão parecia ter dois túneis que iam desembocar no inferno. Sua boca mexendo, juntamente com aqueles dentes espessos, assemelhavam-se a um triturador prestes a transformar em pó até um bloco de concreto.
-Ah, eu queria dizer que não sou piolhento.
-Isso só me leva a acreditar que o mata-piolhos que você usou, é bom. Mas o que quer?
Hesitei um pouco, mas minha intenção era de ir embora. Mas eu tinha chegado até ali, ir em frente, então. Respondi:
-Vocês estão precisando de mecânicos aqui?
O homem parou por um instante o que estava fazendo. Vi a viola em caco ali. Mas o homem respondeu:
-Não precisamente. Sabe, o marmota, estamos precisando de imitadores do Michael Jackson.
Então cheguei na conclusão que não nasci para ser mecânico. Resolvi ingressar para a Academia Brasileira de Letras. Um amigo chegou a perguntar se eu tinha me tornado um escritor para ocupar um lugar no mundo da literatura. Não. Na verdade comecei a vender livros e enciclopédias, de casa em casa, e me tornado um dos melhores vendedores de livros até então.