SEU ZÉ, E UM TAL CORNÉLIO

Jacinto, não o saudoso Jacinto Figueira Junior, mas o Doutor chegou ao consultório às 9hs e 15 minutos daquela manhã preguiçosa de Sexta-Feira. Um pouco atrasado, diga-se de passagem. Seu expediente iniciar-se-ia às 8hs e 30 minutos. Mas como nesse dia atende as perícias do INSS, certamente deve ter pensado: “Que vá às favas o horário”. E nesse “Que vá as favas o horário” os primeiros que chegaram já estavam há mais de três horas na fila, mais precisamente desde as seis da manhã, quando ainda a Sexta-Feira não tinha a cara preguiçosa daquele sol das nove.

Ao passar pela sala de espera, como a boa educação assim o pede, disse um bom-dia aos que ali estavam. Disse um bom-dia, um tanto quanto resmungado, mas não se sabe, ou no mínimo causou dúvidas se desejou, tomando por base tal era a cara mal-humorada.

Pelo porte avantajado e grosseiro, mais parecia um brutamontes... Não transmitia a mínima simpatia aos que ali estavam. Das mãos da secretária pegou as fichas dos pacientes (Isso mesmo, as fichas. Além de tudo ainda utilizava fichas), e passou os olhos sobre o corpo da “primeira”, franziu a testa, e malandramente colocou a primeira ficha depois daquela que seria a ultima, agora a penúltima.

Subitamente o silêncio foi quebrado pela voz rouca do “Seo” Zé, o hipocondríaco:

-É a minha!

-É sua, o quê? -Perguntou Jacinto, o homem do sapato branco.

-É a minha úlcera que está doendo! -Respondeu o hipocondríaco.

-Daqui a trinta minutos mande entrar o primeiro! -Ordenou o Dr. Jacinto à Secretária, batendo a porta do consultório.

-É a minha. É a minha!

-É a sua úlcera Zé? -Perguntou a esposa do hipocondríaco.

-Não! Respondeu “Seo” Zé. É a minha ficha que foi pra lanterna. Já não basta o

meu “Curintias”!

De repente soou o telefone, que foi prontamente atendido pela secretária. Pelo toque um dos mais jovens que se encontrava na sala percebeu que era uma chamada interna.

-Já estou indo! Exclamou a secretária. Enquanto caminhava, desafogou o decote,

retocou as saias com um olhar levemente malicioso, e aveludadamente fechou a porta do consultório.

O silêncio prolongar-se-ia infinitamente, a perplexidade seria total, não fosse o boi, isto é, o boy que exclamou:

-É a minha!

-É a sua vez? - Perguntou a esposa do “Seo” Zé ao boy.

-Não Senhora! É a minha noiva!

-Ah! Sei! A atendente é sua noiva...

Exato! Mas antes, deixe-me apresentar. Meu nome é Cornélio. Estamos noivos há cinco anos. Mas, ela é muito dedicada ao trabalho e à carreira. Está até cursando medicina, e nos próximos cinco anos não podemos pensar em casamento.

-Ah! Sei! ...Ela é muito dedicada... (Balbuciou a esposa do hipocondríaco)

Quinze minutos depois volta a atendente, também chamada de secretária, e comenta, dirigindo-se ao primeiro paciente:

- Que sorte a sua! O doutor terá de sair com urgência, mas pede que você entre, pois vai atender-te. Quanto aos demais, Dr. Jacinto pede que voltem amanhã, pois serão atendidos na mesma ordem sem que precisem passar no posto de INSS.

-E eu, querida? Não vamos almoçar juntos? – Choramingou o boy

-Infelizmente, não querido! Preciso acompanhar Jacinto em uma cirurgia muito

delicada! Você entende, não é mesmo? São ossos do ofício, benzinho! Tchau!

Enquanto todos se acotovelavam para ganhar a rua, Cornélio bateu no ombro do

“Seo” Zé, que já estava na calçada, dizendo:

- Hei vovô! O Senhor que já é experiente, por acaso sabe o que é bom pra dor de cabeça? Estou com uma dor de cabeça hoje!

Seu Zé, que seria o primeiro a ser atendido, e que depois se tornou o ultimo, precisava desabafar e soltou uma das suas:

- Eu até sei o que é bom pra dor de cabeça, meu filho! Mas, como dizem as galeras, “não esquenta” não! São chifres do ofício!

- Chifres? Balbuciou Cornélio coçando a testa.

Mas já era tarde... Do outro lado da rua, sob o toc-toc de sua bengala, desaparecia o Seu Zé, entre tosses e gargalhadas.

Amarildo José de Porangaba
Enviado por Amarildo José de Porangaba em 25/04/2013
Código do texto: T4258460
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