Na sala de um apartamento qualquer por aí...
Um casal está prostrado em cima de um sofá, sentados e largados sobre ele ainda com roupas de dormir. O rapaz, chamado MÁRCIO troca os canais da tv segurando o controle de qualquer jeito, mecanicamente repetitivo.
A mulher, chamada Vilma, mexe nas pontas dos seus cabelos, com olhar perdido também na direção da televisão.
Márcio joga o controle contra a televisão.
MÁRCIO: - Eu desisto! Eu de-sis-to!
VILMA (acordando do transe): - Desiste do que, amor?
MÁRCIO: - Domingo é um saco! Não tem nada pra fazer! Não tem nada na televisão! A gente assina esses zilhões de canais e na maioria, tem um apresentador chato que falando mais os que convidados!... Quer saber? Vou tomar um banho... (levanta-se)
VILMA: - Mas você já tomou três banhos hoje! São só duas da tarde, amor! Tu vai acabar desbotando!... Sossega, que daqui à pouco tem o Fantástico!
MÁRCIO (sentando-se): - Caralho, três banhos? Meu Deus!... Tá maluca? Ficar até nove horas sem ter o que fazer? Nem fodendo!
VILMA: - Ué, a gente pode transar, quer?
MÁRCIO: - É... Podemos. Você quer?
VILMA: - Olha, querer, querer, eu não quero. Mas se vai fazer você perder esse tédio...
MÁRCIO: - Eu também não estou muito a fim de transar, Vilma. Depois de transar vamos fazer o quê? Voltar pra frente da televisão?
VILMA: - Ué, Márcio. O que você quer fazer então?
MÁRCIO: - Se eu soubesse, num tava aqui quebrando a cabeça, né?... Tô com uma angústia, sabe? Querer sair, fazer alguma coisa... Podíamos ir visitar sua mãe.
VILMA: - Não, num inventa não! Minha mãe tá com esse negócio de vender Natura, vai querer empurrar aquela revista, eu vou ter que comprar... Depois ela fica me cobrando todo dia!
MÁRCIO: - Cinema? Teatro?
VILMA: - Ah, só tem filme chato. E as peças tão muito caras! Lembra da última que vimos? Dois ingressos saíram por quase trezentos Reais, e na peça ninguém falava nada!
MÁRCIO: - Era clássico grego, coisa chique! (levanta-se) Porra, num tem nada pra fazer. Por isso que queria comprar meu Playstation 3... Agora estaria jogando God of War!
VILMA: - Quer pedir pizza?
MÁRCIO: - Vilma, comer não vai matar o tempo não, Vilma! Isso é passatempo de obeso! De gordo solteiro. Gordo puto! Nerd, sabe? Suado!
VILMA: - Vamos correr na praia? Sei lá... Tomar uma cerveja no clube? Hoje deve estar cheio lá, tem jogo do Flamengo.
MÁRCIO: - Não sei. Pessoal do clube tá muito sem noção. O Patrício esses dias, ele disse que não, mas eu tive a impressão que ele tava tirando foto do meu pinto enquanto eu mijava. Aí depois veio com umas risadinhas sem graças, sabe? Dizendo que tava brincando... Brincando porra nenhuma!
VILMA (levantando-se): - Ah, Márcio, então num sei! Domingo é dia pra dormir o dia inteiro...
MÁRCIO: - Domingos de chuva são pra dormir o dia inteiro, né? Porque hoje nem chuva tá tendo! Hoje o domingo tirou o domingo pra domingar!... Nem banho posso tomar mais... (sentando-se no sofá).
Os dois ficam em silêncio. Vilma caminha de um lado pro outro, e Márcio rói suas unhas, pensativo. Ele então parece ter uma ideia boa.
MÁRCIO: - Vilma, vem cá. Senta aqui.
VILMA: - Que é que é? Vai querer transar agora?
MÁRCIO: - Não, não. Senta aqui!
Vilma senta-se ao lado do marido.
MÁRCIO: - Num tem nada pra fazer, né?
VILMA: - Eu sei que não, Márcio.
MÁRCIO: - E se a gente... Presta atenção! E se a gente... Matasse uma pessoa?
VILMA: - Tá maluco? Você tá brincando, né?
MÁRCIO: - Não, Vilma, sério. Matar uma pessoa ia ocupar nosso tempo até a hora do Fantástico. A gente se ocuparia matando, limpando, escondendo o corpo... Nisso já tinha passado pra base de três, quatro horas de ocupação! Ainda daria tempo pra tomar banho e ver televisão.
VILMA: - Você pensou nisso tudo enquanto roía unhas aí?... Eu não vou matar ninguém!
MÁRCIO: - Eu deixo você escolher quem a gente vai matar! Você escolhe, a gente convida pra vir aqui pra casa e matamos.
VILMA: - E vai matar como, Márcio? Tem nem revólver aqui em casa!
MÁRCIO: - Ah, nisso a gente improvisa! Temos álcool, facas, cordas, canos, remédios pra hemorroida, músicas de sertanejo universitário... Olha, isso tudo misturado deve dá em alguma coisa mortífera!
VILMA: - Num sei, cara. E se formos presos?... Até que num é má ideia não, sabe? Deve ser maior adrenalina, né?... Mas e se formos presos?
MÁRCIO: - Eu tô até arrepiado, olha!... Amor, se formos presos, pelo menos vamos escapar dos domingos... Na cadeia sempre tem alguma coisa pra fazer, e em menos de cinco anos estamos nas ruas de novo.
VILMA: - Ok! Eu topo! Mas quem vamos matar?... Num acredito que tô fazendo isso...
MÁRCIO: - Vamos lá na rua. O primeiro mendigo, crackudo, ou que tenha cara de indigente, a gente convida pra subir, e matamos. Tudo bem assim?
Os dois se levantam, se arrumam e saem de casa.
Voltam uma hora depois.
MÁRCIO: - Bairro de merda esse, hein?
VILMA: - De merda mesmo! Nem matar um indigente a gente consegue mais! Odeio esse bairro!
MÁRCIO: - Pior que na televisão parece tão fácil, sabe? Todo mundo faz, depois põe a culpa no amante gay, depois joga pros cães comerem os restos...
VILMA: - E agora, amor? O que faremos?
Márcio se senta no sofá e começa a roer unhas de novo, pensativo. Vilma anda de um lado para o outro.
MÁRCIO: - Vilma, vem cá. Senta aqui.
VILMA: - Que é que é? Vai querer transar agora?
MÁRCIO: - Não, não. Senta aqui!
Vilma se senta ao lado do marido.
MÁRCIO: - Num tem nada pra fazer de novo, né?
VILMA: - Eu sei que não, Márcio.
MÁRCIO: - E se eu... Presta atenção! E se eu matasse... Você?
VILMA: - Tá maluco? Você tá brincando, né?
MÁRCIO:- Pensa só. Eu dava pra você o resto daquela anestesia que a gente cheirava pra ficar doidões, e te mato aos poucos!
VILMA: - Mas aí eu morro!... E se eu morrer?
MÁRCIO: - Pensa pelo lado bom, pelo menos você vai pro céu, vai conhecer Deus, vai conhecer Hebe, vai conhecer Raul Gil... Quando ele morrer... E depois a gente vai se encontrar de qualquer jeito de novo mesmo!
VILMA: - Jura?
MÁRCIO: - Claro! Nunca viu Chico Xavier, o filme? Depois a gente se revê lá no Nosso Lar!
VILMA: - Mas e se doer?
MÁRCIO: Num vai doer. Vai ser devagar, mas indolor. Prometo! Você não acha que vou querer o mal da mulher que eu amo, né? Me admira você pensar isso de mim!
VILMA: - Nunca, nunca, meu amor! ... Olha, se não vai doer, tudo bem!... Mas como vou morrer?
MÁRCIO: - Vou te dar um pouquinho daquele negócio pra tu ficar chapadona. Quando tu estiver doidona, e não sentir mais nada, eu vou te matando. Pode ser?
VILMA: - Você pensa em tudo, né? Por isso que te amo!
Márcio sai da sala e volta com um vidro de remédio. Ele entrega nas mãos da esposa.
MÁRCIO: - Agora espera aí, que vou buscar as facas.
VILMA: - Márcio, se eu morrer mesmo, num esquece de pagar a conta de luz não. Sabe que eles cortam a luz após um dia de atraso!
MÁRCIO: - Sei sim, amor! Pode deixar! Num vou dar mole pra esses abutres!
Márcio sai da sala novamente, e Vilma cheira o conteúdo do vidro. De uma vez, ela bebe todo o remédio, dá uma gargalhada grogue, e cai morta no chão.
Márcio volta com vários objetos cortantes, como facas, serrotes, serra elétrica, um banner de algum famoso sertanejo e mais outros artefatos mortais.
MÁRCIO: - Acho que isso aqui dá... (repara Vilma caída no chão). Vilma?... Amor, num acredito que tu resolveu tirar um cochilo agora?... Num tá nem chovendo.
Ele coloca todo seu equipamento sobre o sofá e vai socorrer a esposa.
MÁRCIO: - Vilma? Acorda! Vilma... Caralho, Vilma! Você bebeu tudo! Caraca! Num acredito que você fez isso com você mesma! O que eu vou dizer pros nossos amigos. (Levanta-se, pega um serrote e volta para o lado dela)... E agora... E agora...
Começa a tentar serrar a perna dela, mas desiste, jogando o serrote para o lado.
MÁRCIO: - Porra, ainda faltam cinco horas pro Fantástico! Nada pra fazer nessa porra de domingo!
FIM