TODA VEZ QUE O NAMORADO CHEGAVA, O PAI IA TOCAR VIOLÃO
O paizão sempre estava lá. O paizão dela. Era só Murilo chegar. O namorado da filha. Valter pegava o violão e vinha pra sala. Não tocava nada, mas este mesmo era o propósito. Tocar violão para Murilo.
-Pai, você não tem que levar o carro para lavar?
-Já levei.
-Pai, não tem que levar o Watsson passear?
-Já levei, de manhã.
-Pai, não precisa ir cortar este cabelo?
-Não. Acho que estou bem assim. Aliás não corto cabelo na lua cheia.
-Paiiiiiii! –Rita se irritava, -Pai, por que não desaparece?
-É completamente impossível. Com esse tamanho todo!
O velho Valter sorria.
-Deixa. –contemporiza, Murilo, eu gosto de violão.
-Então vou tocar uma serenata, a primeira de Chopin.
E o velho Valter dedilhava qualquer coisa, menos uma cantata de Chopin. Tocava com afinco, parecia que estava mergulhado na música. Ainda batia o pé, acompanhando aquela música. E no final escorregava os dedos pelas cordas. Como se fosse um desfecho memorável. Ficava esperando alguma reação do seu público. A filha, explodindo de raiva e Murilo, com seu sorriso grato. Dando graças a Deus que acabou. Supostamente pelo esforço desprendido para executar a canção, o velhão desistiria. Mas para espanto de todos, ele anunciava:
-Uma polca, de Zervelt.
E mais uma vez seus dedos corriam pelas cordas. Aquilo podia ser qualquer coisa, menos uma polca.
-Pai!
-Pisssss! Não atrapalhe, a minha concentração. Apenas deixe a canção te invadir.
Parecia uma invasão mesmo. A invasão da Polônia.
Terminava mais uma vez a sofrível canção.
-E agora, uma rancheira. Inigualável.
-Óh, não. Ninguém merece.
Na próxima visita de Murilo Rita anunciou que o pai tinha saído. Parece que suas preces foram ouvidas. Mas nem deu tempo.
-Adivinha quem chegou?! –gritou o velho chegando com o violão.
E agora uma novidade. Um pandeiro. Estendeu-o para Murilo.
-Aposto que tem aptidão para música. Pegue. Vamos arrebentar.
Murilo foi obrigado acompanhar Valter no violão.
-Murilão, você não vai fazer essa desfeita para este velho.
Rita queria morrer.
Na próxima vez Rita Havia combinado com Murilo. Outra vez na sala, lá vem o pai com o violão.
-Preparem-se para um conserto que vocês jamais ouviram.
Murilo, então pediu o violão. Valter, com a maior satisfação do mundo entregou. O genro estava gostando de música.
Murilo fez uma corda tinir com o dedão.
-Me parece desafinado. –disse ele. –Preciso apertar um pouco mais as cordas.
Esticou a corda. Testou. Não gostou, precisava esticar um pouco mais. Esticou. Testou. Precisa esticar um pouco mais, não estava legal. Foi esticando, esticando, até que não resistiu e arrebentou. Foi assim com todas as cordas. No final o violão estava com todas as cordas arrebentadas.
-Puxa, sogrão, ficamos sem violão.
Rita não cabia em si de contentamento em seu interior. Conseguiram.
Porém, para desespero da filha o velho Valter levantou-se, dizendo:
-Não se preocupem que eu tenho mais cordas sobressalentes guardadas.
Me aguardem, volto já.