A "VELHINHA"...E O MORENO JAMBO

Um dia desses aconteceu comigo:

Era dia de aula, assunto algo inédito que os professores haviam nos preparado para as próximas acaloradas discussões e eu entrava no anfiteatro algo atrasada.

Não é do meu costume, odeio atrasos. Mas naquele dia quebrei o protocolo por razões justificáveis.

Dentro daquele obrigatório jeitinho educado das "boas maneiras" para tais situações, e para não atrapalhar ninguém, eu pedia gentilmente por licença, me encolhia toda para passar naquele corredor estreito, por entre as cadeiras enfileiradas de alunos sentados e bem atentos a frente do telão, algo bem na penumbra mesmo, pois a luz que ali nos ofuscava os olhos vinha apenas do projetor.

Quero dizer...mais ou menos.

De repente, bem ao acaso, sentei ao lado dum holofote: e era impossível não percebê-lo todo iluminado.

Pedi licença, ele prontamente me permitiu com um largo sorriso e eu me sentei ao seu lado.

Não sei, sempre costumo dizer desde lá dos velhos tempos de trás, que beleza muita me intimida.

De fato ele era de intimidar.

Muito bonito, porte atlético, moreno jambo, cabelos lisos pretos e brilhantes, algo desalinhados ao acaso, dentes bem alvos que estruturavam aquele sorriso a emoldurar seu belo e jovem rosto másculo, por vezes delineado na penumbra do anfiteatro, de barba caprichosamente semi-cerrada com numa relva verde num vale dum paraíso indecifrável, a exalar nuanças dóceis duma brisa de perfume amadeirado. Poesia? Pode ser, mas era poesia real.

Eu sinceramente não sei como pude enxergá-lo rapida e tão minunciosamente naquele escuro todo...ainda mais sem óculos.

Mas ele tinha um defeito também rapidamente perceptível: não parecia lá muito atento à fala do professor. Conectado sem parar no seu smartfone, numa postura meio largada na cadeira, talvez irreverência própria do seu tempo, abdicava do telão a nossa frente para viajar animadamente pela telinha "touch- screen" da sua rede social.

Lá pelas tantas eu precisava dum dado que talvez ele soubesse: a idade da protagonista do assunto da aula, dentro daquilo que se discutia. Era um dado bem importante.

"Você sabe a idade dela, por favor?-cheguei atrasada e peguei a discussão andando"- juro, juro que perguntei com todo o interesse do mundo pela idade "dela", que era sim um dado bem necessário ao sucesso da nossa discussão, todavia "nadinha" necessário para ele.

"Hã, como, a idade dela?-ah sim, péra aí que vou perguntar pra alguém...ei cara, cê sabe a idade dela?"

Bem, fiquei ali esperando que ele encontrasse "alguém" que como eu tivesse o mesmo interesse por aquele tempinho dela.Só por um momentinho, ao menos.

Depois que minha pergunta rolou pelo anfiteatro inteiro, bem no tempo deles, enfim, ele me conscientizou da minha cronologia: "é...cinquenta e um anos...bem velhinha já...".

Eu não sei porque ainda não parei de fazer certas perguntas...pelo tempo.