Le King - Reencarnação da Justiça
Reencarnação da justiça
Numa tranquila e pacífica noite de sábado, o grupo de três jogava pela internet um simulador de guerra. Em um terreno árido com destroços de guerra um sinal é dado para que o grupo cesse qualquer movimento. Rei agachado começa a explicar a situação pelo skype.
- Vejo quatro alvos abaixo da ponte a leste. O que?! - gritou indignado ao ver uma mensagem subir dizendo que alguém do time acabara de morrer - Porcaria, como foi que King morreu desta vez?
- Droga! - disse King pelo Skype - Eu avisei para o Mik cobrir as varandas daquele prédio, eu aposto que o tiro veio de lá.
- Não foi isso! – disse Mik atirando com seu rifle no top de um morro – Merda, eles me pegaram.
- Tenta correr pelo amor de... – dizia Rei até ver a mensagem de morte de Mik – Caralho! Tô sozinho agora. Me mataram.
O jogo acabou com uma mensagem de derrota. A noite recém começara, mas o conflito interno impedia qualquer um dos três a ter animação para outra partida. Mais uma vez, como já estava acostumado, Rei foi obrigado a descansar a cabeça no braço enquanto King e Mik discutiam rudemente um com o outro.
- Culpa do Mik, sempre falta com sua parte.
- Olha quem fala! Nem sabe de onde veio o tiro e bota a culpa em mim.
- Já disse que a merda do prédio tava limpo, eu fiz minha parte.
- Se não prestou atenção não tem como saber.
- Coloquei um detector no térreo, apareceria no radar se alguém passasse lá.
- Só funciona caso o alvo se mova, e também não detecta alvos três andares acima. O inimigo poderia estar lá antes de você pôr o aparelho, idiota.
- Eu estava olhando, você é que não faz sua parte. Não adianta nada eu de sniper contra mais de dois alvos.
- Calem a boca vocês dois! – disse Rei impaciente – Só há duas alternativas. Um de vocês dois é culpado por sempre perdermos ou os dois são ruins e só me fazem perder. Preciso separar a fruta podre do cesto ou parar de jogar com os dois de vez.
Após breves segundos de silêncio e esperando, Rei teve uma resposta.
- Eu já disse que tava olhando para o prédio - repetiu Mik.
- Não estava – continuou King.
Antes de perder a cabeça com o estresse, Rei decidiu encerrar a conferência deixando uma última mensagem para os dois.
- Ok, se os dois não vão resolver quem é o culpado de forma justa então eu trarei a justiça até aqui!
Na tarde de domingo do dia seguinte, King e Mik foram reunidos por Rei em sua casa para resolverem de uma vez por todas quem era o responsável pelos erros cometidos no jogo. Eles estavam sentados no chão da sala, como havia sido pedido pelo anfitrião, e esperavam pela tal da justiça citada anteriormente.
- Posso pelo menos sentar em uma almofada? – perguntou Mik.
- Não enquanto eu não souber quem é o culpado! – gritou Rei de seu quarto fechado – Até lá os dois são igualmente culpados e obrigados a sentar no chão duro da acusação.
Então os dois tiveram que aguentar o desconforto até a porta se abrir e a irmã de Rei aparecer de seu quarto. Ela parecia entediada e desinteressada, pois já imaginava se tratar de algo estúpido relacionado ao irmão e seus amigos. Com pesar na voz ela disse:
- É com muitíssimo prazer que eu apresento aos aqui presentes vossa excelência, a justiça.
Do quarto saiu Rei fantasiado com lençóis brancos enrolados no corpo, uma balança segurada pela mão esquerda e uma venda nos olhos, mas os dois só conseguiram ver melhor quando ele se virou após bater de cara na primeira parede que encontrou, lembrando que a sala estava uma curva à esquerda. Já na sala, Rei fez pose de superior como se esperasse alguma reação para começar a falar.
- O que significa isso? – perguntaram os dois vendo a pose ridícula de Rei.
- Eu! – disse Rei com muita energia e destaque na voz – Sou a grandiosa manifestação do que é mais sagrado na vida dos injustiçados. Contemplem perante seus ombros fardados de culpa pelos seus pecados, pois sou a encarnação da justiça!
- Por que está vendado? – perguntaram os dois novamente.
- Idiotas! Não sabem que a justiça é cega e por uma boa razão? Ela julga igualmente a todos sem discriminá-los com o olhar. Tudo que vejo é o ato de cada um e as acusação, guiando-me para o julgamento perfeito. Meus olhos podem apenas me cegar do verdadeiro propósito deste tribunal. Vamos começar.
- Começar o que? – perguntou Mik observando em volta – Não há testemunhas do jogo, no que vai basear suas acusações?
- Não tema, pois vou explicar - continuou Rei - Eu farei também o papel da testemunha, pois joguei com vocês, e ao mesmo tempo serei a justiça. Pode não parecer, mas eu venho prestando atenção nos atos dos dois durante os últimos jogos, por isso eu saberei se um de vocês estiver mentindo. Caso uma mentira ou acusação for confirmado de um dos dois, uma moeda será posta num lado da balança. No final, o lado mais pesado será o culpado pelas derrotas consecutivas a que vínhamos tendo desde a semana passada. Faremos múltiplas rodadas onde um acusará o outro de um erro cometido durante o jogo, então o acusado deve se defender falando a verdade e nada mais que a verdade.
- Pois bem – disse King – então vamos começar para banir esse jegue do nosso time de uma vez.
- Ah é?! – disse Mik estressado – Pode mandar a primeira acusação, quero ver isso acontecer comigo.
Vendo que estava indo tudo como planejado, Rei com um sorriso no rosto continuou sua atuação.
- Neste caso é dado início à sessão - disse, virando o rosto para a Mik - King, pode começar.
- Mik... - disse King observando-o com menosprezo - É verdade que você não definiu as opções de vídeo para acentuar a textura da grama de acordo com a velocidade do vento?
- O que?! - disse Mik sem entender - Mas que espécie de acusação é essa?
Continuando, King acrescentou:
- Todo sniper sabe que essa é uma configuração importante que destaca melhor a presença de um alvo na grama. Os requisitos de gráfico não são altos para essa opção, então não há justificativa para você não fazer isso.
- Isso nunca me atrapalhou a ver um alvo na grama, que acusação estúpida.
- É um detalhe importante. Se você joga principalmente com a classe sniper é crucial que você leve isso em consideração. Caso contrário isso é um erro a ser levado em conta do porque você é tão ruim.
- Cala a boca!
Interrompendo, Rei perguntou:
– Mik, isso é verdade?
- Eu já disse que isso não me atrapalha, eu vejo alvos perfeitamente na grama.
- Eu te fiz uma pergunta. - continuou Rei com tom de reprovação - Omissão de informação será julgada como culpado.
- Eu jogo com gráficos normais como vocês dois, nunca atrapalhou ninguém.
- Neste caso... - disse, levantando a balança para sua irmã, que por acaso era sua assistente enquanto ele usasse venda - Eu terei que pedir para minha irmã pôr uma moeda no seu lado da balança. Pode pôr.
Assim ela fez, ainda não entendendo absolutamente nada do que se tratava tudo aquilo, e sem intenção de entender.
- Isso é tão estúpido! – reprimiu Mik virando o rosto para King – Minha vez. Eu e Rei sempre vamos para o banheiro em intervalos de partidas. Mas acontece muito de eu ouvir queixas do King de estar apertado enquanto jogamos.
- O que isso tem a ver?! – defendeu-se King.
- Hora, você não sabe? - disse Mik com a intenção de acusá-lo com algo tão irrelevante quanto a textura da grama - Há estudos que comprovam que bexiga cheia causa ansiedade e desatenção em atividades que requerem concentração e precisão. Ainda por cima você que bebe aqueles sucos açucarados. Açúcar é um incentivo para beber sem parar, deixando-o ainda mais apertado, o que compromete seu desempenho durante o jogo.
- Ele tem razão quanto a isso. – disse Rei fazendo menção para a irmã pôr uma moeda na balança no lado de King.
King não acreditou no que acabara de presenciar e estava enfurecido.
- Isso é golpe baixo! As acusações deveriam ser feitas de acordo com a estratégia no jogo, não pelas nossas funções fisiológicas!
- Ah - disse King com tom pejorativo - E gráficos fazem toda diferença, não é?
Rei, interpretando a justiça, levantou a mão para que parassem de falar.
– Faremos uma pequena pausa para ir ao banheiro. Com todo respeito, acho que é o momento perfeito para você aliviar sua ansiedade King.
- Com todo respeito, vai se foder Rei! - respondeu King levantando-lhe o dedo do meio, desejando que ele pudesse ver.
Sem dizer nada, Rei apenas levantou a balança. Sua irmã já impaciente com aquele papel monótono pôs mais uma moeda e desejou que aquilo acabasse de uma vez.
- Por quê?! - gritou King em protesto.
Rei levantou o nariz e lhe respondeu:
- Ofender a justiça é um crime grave. Pense bem antes de agir, pois isso pode e irá influenciar no julgamento final. E lembre-se, independente de quem for o culpado, meu julgamento será feito cegamente e de acordo com o peso da culpa da minha balança.
Cinco minutos se passaram até King sair do banheiro. Ele esteve lá tempo demais, e Mik esperava impaciente do lado de fora esse tempo todo. Os dois trocaram olhares revoltados, então Mik entrou e trancou a porta. Mal sabia Mik que King passara aquele tempo todo pensando em um plano para arruinar suas chances de vencer. Para isso ele chamou a irmã de Rei para o corredor sem deixar ninguém perceber.
- O que você quer? – perguntou a irmã de Rei.
- Preciso de sua ajuda para garantir que haja mais moedas no lado do Mik. Em troca, eu garanto que você vai ter moedas também.
- Hum... – suspirou ela interessada – Fale mais.
- Se me ajudar a ganhar eu... Espere um pouco.
Antes de continuar, ele chamou com voz alta em direção ao banheiro.
– É pra hoje?!
- Me deixe em paz! – respondeu Mik de dentro do banheiro.
Voltando a falar com voz baixa com a irmã de Rei, ele explicou:
– Mik tem dificuldade para urinar com pessoas em volta.
- Eu quero vinte reais - disse ela com os braços cruzados.
King foi pego de surpresa pela condição dela. Ele queria acima de tudo ganhar o julgamento, mas não sabia se estava disposto a pagar tanto por causa de um jogo que poderia jogar mesmo sem Mik e Rei.
- Agora. - completou ela.
- Mas eu... - disse acariciando seu bolso com pena nos olhos - Tinha planos para esse dinheiro.
- Não quero saber. Vai pagar ou não?
Agora seu dilema era outro. Pior que perder o dinheiro seria perder uma disputa com Mik de quem consegue convencer que o outro é pior.
- Ok! Ok...
Enquanto tirava o dinheiro da carteira, King teve a má sorte de errar no tempo. Mik saiu do banheiro exatamente quando ele passava a nota para ela, pegando-os no flagra.
- Trapaceiro!
- Não é o que está pensando – disse King passando a nota fingindo naturalidade para esconder de seu coração saltitante.
- O que é então? - perguntou Mik ainda com olhos acusadores.
- Eu devo dinheiro a ela faz um tempo, tô pagando agora.
- Sei, deve pelo que?
- Não é da sua conta - disse King se virando e voltando para a sala, confiante que sua vitória era certa.
Não demorou muito até que todos estivessem em seus devidos lugares. Com tudo pronto para continuar, Rei incorporou novamente a voz superior de antes.
- Declaro agora a continuidade desta sessão. Quem gostaria de ser o próximo acusador?
- Eu! – disse King o mais rápido que pôde e partindo direto ao assunto – Mik, é verdade que a gente só perde por que você é um péssimo sniper?
Rei inclinou as sobrancelhas sobre a venda e retrucou:
– Essa pergunta é vaga demais, faça outra.
- Não, eu insisto – disse King sorridente e confiante.
- Neste caso vou ter que pedir para minha irmã pôr a moeda no seu lado da balança King.
Como King esperava, ela pegou duas moeda ao invés de uma. Entretanto, encarando-o com olhos cruéis de quem trocaria uma vida inocente por uma barra de chocolate, ela pôs as moedas no seu lado ao invés do lado do Mik. King boquiaberto e olhos arregalados não entendera a razão daquilo. Ele sabia que ela não se importava com nada do que acontecia entre eles em relação ao jogo, mas traí-lo após um combinado pago em dinheiro parecia demais. Seu medo o fez virar o rosto para Mik, que sorria tão malévolo e silencioso que o assustou ainda mais. Obviamente ele havia subornado a irmã de Rei logo após dar as costa aos dois no corredor.
- Pausa! – implorou King para Rei.
- Nós acabamos de fazer uma pausa King – disse Rei cansado de viver no escuro – Vamos fazer mais umas três ou quatro rodadas para acabar de uma vez com isso.
- Neste caso eu gostaria de me desculpar pela minha última ofensa. Foi mal pensado e sem fundamento, me desculpe. A justiça pode, por favor, me perdoar? – implorou King.
- Bom... – disse Rei lisonjeado de tanta formalidade para sua pessoa – Como a função da justiça é proteger os injustiçados e oferecer uma chance de perdão para aqueles dispostos a reparar seus erros, vou abrir uma exceção. Ajudante, pode retirar uma moeda do lado do King.
Pelo contrário do que Rei pediu, ela pôs uma a mais com aquele mesmo olhar frio e cruel. King estava desesperado, neste ritmo não conseguiria vencer Mik e ainda teria perdido vinte reais à toa. Se protestasse ela revelaria a tentativa de propina. Para vencer o tribunal teria que passar a perna na justiça melhor que Mik.
- Pensando melhor, eu não quero que remova uma moeda do meu lado. Com seu consentimento acho melhor outra chance de ir ao banheiro – pediu King com dificuldade de manter a calma na voz.
- Parece que você realmente precisa ir. Vá e faça o que precisa fazer de uma vez. Não faremos mais pausas depois desta.
Desta vez não deixaria a irmã de Rei sozinha com Mik novamente. Se uma propina fosse aceita teria de ser de apenas um dos dois. Assim, os três se reuniram no corredor em frente ao banheiro para resolver isso de uma vez antes de voltar para a sala.
- Quanto que ele ofereceu? – perguntou king.
- Vinte reais e uma barra de chocolate – disse ela abrindo a embalagem na frente dos dois e comendo um pedaço.
- Como você pôde? – disse King buscando um pingo de culpa naquela garota.
- Eu não me importo com este jogo estúpido de vocês e ele ofereceu mais – disse sem nenhum arrependimento.
- Neste caso ganha quem pagar mais propina para as mãos da justiça – pensou King.
Interrompendo a reunião dos três, um celular apitou com uma mensagem. A irmã de Rei pegou seu celular do bolso, digitou por alguns segundos, enviou uma resposta e guardou o celular.
- Desculpe garotos, mas tenho que ir.
- Hã?! – indagaram os dois.
- Chamei umas amigas para comer fora. Parece que alguém vai pagar tudo. Que sorte, não é?
Então ela correu feliz e saltitante para a porta e foi embora. Os dois ficaram parados fitando a porta pensando no que acabara de acontecer, até ouvir a voz de Rei vindo da sala:
- Espera, quem acabou de sair? Não consigo ver nada com essa porcaria de venda.
Um desespero bateu no coração de Mik e de King quando eles colocaram os pés na sala, mas era tarde demais. Rei havia removido a venda e viu quatro moedas de um lado da balança quando deveria haver apenas uma.
Uma semana se passou após aquele episódio de falsidade e traição. Rei estava entediado na sala de espera do mesmo jogo de computador de sempre. De repente, uma mensagem chamou sua atenção, um recado para uma partida vinda de King.
- Uh... - suspirou com desgosto - Tanto faz. – pensou quando aceitou.
Na sala com King percebeu que Mik também estava nela. Rei apertou os olhos esperando pelo pior, então a partida começou. Normalmente os três jogariam com skype, mas Rei estava ouvindo música e não queria conversar com eles. A partida se prolongou por alguns minutos e para sua surpresa terminou em vitória para seu time. Sem estresse nem discussão, apenas uma partida comum com os mesmos amigos, mas sem trocar palavras.
Rei então ligou seu skype e chamou os dois para uma conferência.
- Jogar sem nos falar de agora em diante? – perguntou Rei.
- De acordo – concordaram Mik e King.