Le King - Feliz ano novo
Feliz ano novo
Faltavam poucos dias para a virada do ano quando Rei e King tiveram uma discussão longa sobre como seria a última noite. Eles estavam comendo em um fast food bem longe de casa, devido ao péssimo humor de Rei com relação à sua família.
- King, eu imploro em nome de nossa amizade, deixe-me passar o ano novo na sua casa.
- Por que? Esse é o único momento do ano que você pode ver sua família toda reunida. Quer mesmo perder essa oportunidade?
- Quero, muito! É a mesma coisa todos os anos, não aguento mais. Tudo que quero é ficar longe dos meus familiares indesejáveis.
- Cara, pára de ser pessimista. O que pode acontecer de errado?
- O mesmo que acontece todos os anos! Familiares distantes vem de longe para nos visitar, e para que?! Minha mãe e minha avó não se dão bem, meu pai odeia o irmão, meu primo bate em mim e sai chorando para minha tia dizendo que eu bati nele, e minha irmã tem sempre planos com as amigas e escapa deste compromisso infernal! Durante o ano novo minha casa vira uma arena de disputas verbais.
- Duvido que deve ser tão ruim.
- Quer apostar? Eu daria todo o dinheiro que eu recebo no ano novo se nenhum destes problemas ocorressem.
King levantou uma sobrancelha interessado - Quanto?
- 400 reais.
- Meu deus! Sério?
- Sossega. É impossível não rolar no mínimo uma briga na minha casa na noite de ano novo. Me deixe ficar na sua casa.
- Não, tá apostado então. Nunca ganhei tanto dinheiro e tão fácil na vida.
- Já disse que é impossível.
- Nem pense em gastar antes da aposta terminar. Nenhum dos problemas citados, briga nem discussão.
A noite tão terrivelmente esperada por Rei chegou. Ele estava jogado no sofá da sala com uma câmera em mãos à espera dos primeiros familiares distantes chegarem. Seria um inferno, mas depois de apostar 400 reais, Rei até desejava que suas espectativas se concretizassem. Pior que a convivência com sua família por uma noite seria ver King gastando seu dinheiro.
- Boa noite, como vai Heinaldo? - disse sua tia com o primo de 6 anos segurando sua mão.
- Tudo bem tia - disse Rei ao recebê-los na porta de entrada.
- Para quê a câmera?
- Queria guardar esta noite como uma lembrança especial - disse sem tirar a imagem da cabeça de King segurando um bolo de dinheiro com um sorriso malévolo.
- Que gracinha. Acho que os outros já vem aí.
Em menos de meia hora a casa estava cheia de adultos e idosos com poucas crianças e bebês. Rei suspirou aliviado pensando:
- Agora é só esperar uma discussão tradicional e gravar para ter a prova que preciso.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo toque da campaínha da porta. A princípio não entendeu, todos os seus familiares já estavam presentes. Foi quando lembrou de sua irmã que imaginava estar em um lugar distante se divertindo com suas amigas.
- Não acredito... Ela vai passar o ano novo aqui?! E eu achando que ela não tinha coração. Talvez este não seja um ano novo tão ruim no final das contas.
Com um sorriso no rosto, Rei foi até a porta e abriu sem perguntar nem olhar pelo olho mágico.
- Feliz ano novo! - disse abrindo a porta, até abrir os olhos e fechar o sorriso ao ver King ali parado onde imaginava estar sua irmã - O que você está fazendo aqui?
- Que pergunta idiota Rei. É óbvio que vim passar o ano novo com meu melhor amigo!
- Seu disgraçado, cadê aquela conversa de passar o ano novo com a família?!
- Você é minha família, seu bobo!
Era tarde demais para fechar a porta na cara de King. Seu pai estava próximo e viu a visita, convidando-o imediatamente para se juntar à mesa e comer a ceia com toda a família. A comida estava boa, mas Rei não conseguia sentir o gosto enquanto pensava no significado da presença de King. Pensou e pensou, até uma conclusão assustadora lhe dar um cala frio.
- Não pode ser... - pensou enquanto via King conversando amigavelmente com sua avó - Que vigarista, ele pretende abusar o fato de ser uma visita! Minha família ficará envergonhada de brigar na presença de um estranho. Não acredito que ele chegou até este ponto por causa desta aposta ridícula. Agora eu preciso forçar uma briga para não perder meu precioso dinheiro!
Faltava exatamente uma hora para a virada do ano novo, e antes disso ele precisaria forjar uma discussão entre dois ou mais familiares para ganhar a aposta.
- Ei pai! Se lembra daquela vez que a avó pediu um pão doce?
Seu plano era perfeito, pensou. Reviver a história de quando a avó pediu para seu pai comprar um pão doce após ser internada em um hospital por diabete faria os dois brigarem facilmente.
- Pessoal! - disse a avó para todos - Ouçam essa história do King, é muito boa.
- Vocês já ouviram sobre quando Rei comeu uma fruta e passou mal só porque achava que era melão quando na verdade não era?
Todos começaram a rir, menos Rei. Sua estratégia era fraca contra a de King. Aparentemente sua família estava muito mais interessada em histórias que denegriam sua imagem do que brigar por histórias velhas de conflito. E para piorar, King possuia incontáveis histórias satirizando Rei que ocupou todos até restarem poucos minutos para meia noite.
A ceia terminou e ninguém brigou com ninguém. Rei e King foram até a varanda para observar a lua e as estrela à espera dos últimos cinco minutos para meia noite.
- Então - disse King com um enorme sorriso - O que achou deste ano novo?
- Uma porcaria, graças a você.
- Mal agradecido.
Antes de continuarem, alguém deu um tapinha no ombro de Rei. Era sua irmã, o que o surpreendeu.
- Feliz ano novo Rei.
- Você aqui?! Feliz ano novo.
- Trouxe o envelope dos nossos pais para você.
Era o mesmo envelope de sempre contendo o dinheiro de presente de ano novo.
- Além disso - continuou ela - Achei que ia gostar disto, por isso comprei de presente - disse passando um estilingue.
- Obrigado, é um presente muito legal - disse inspecionando a elasticidade e a munição de borracha que vinha junto.
No entanto, ela o fitou com olhos sérios e insatisfeitos. Logo percebeu que ela queria algo em troca, então disse enquanto a família inteira se preparava para a contagem de dez segundos para o ano novo.
- Eu não sei o que você gostaria de ganhar, mas estou disposto a gastar este invelope inteiro em qualquer porcaria que você quiser.
- Sério?! - disse ela com brilho nos olhos - Então eu quero uma...
- Espera um segundo, por favor.
Interrompendo sua irmã, Rei fez sua primeira tentativa com o estilingue, acertando seu primo na testa com um projétil de borracha que deixou uma pequena marca vermelha, acompanhado de sua tia gritando seu nome.
No dia seguinte, Rei e King estavam no mesmo fast food acompanhados da irmã de Rei. No final das contas a aposta foi cancelada por causa da interferência direta nos últimos segundos. Eles comiam enquanto a irmã contemplava todas as roupas nas inúmeras sacolas ao seu lado, totalizando 400 reais para compensar um estilingue de 20 reais.
- King, retiro o que eu disse. Melhor ano novo da minha vida.
- Vai se foder.