Paranoia

Era uma manhã comum de quarta-feira, mas seu coração estava aflito. Tinha gastado a noite lendo reportagens detalhadas sobre o homicídio da rua de cima. Uma mulher - com idade próxima a dela - havia sido baleada na garagem de casa. Tentativa de assalto: provavelmente ela fez algum movimento que o ladrão confundiu com uma reação - explicava o policial. Ela - que sempre se sentira segura dentro do carro e perto de casa - sentiu terror com o caso. Sensação de morte a espreita.

Durante o café da manhã tentou desviar o pensamento. Enumerou os compromissos do dia no escritório, a reunião chata das 9h30, o relatório das 16h. A cada mordida no pão, a cada gole de café, tudo que ela conseguia pensar era: e se hoje for o último dia da minha vida?

Desceu para a garagem desconfiando do reflexo no espelho do elevador. Olhou atenciosamente o portão; verificou o banco de trás do carro, concluiu que não havia nenhum estranho escondido entre os outros veículos da garagem. Precisava relaxar. Antes de iniciar a manobra, ligou o rádio. Estava tocando uma música que ela gostava muito.

Aos poucos ela foi se tranquilizando. Engata a ré, manobra o carro, cantarola. O carro era sua armadura; segura de si, a amazona abre o portão eletrônico do prédio.

Estava prestes a entrar na rua quando sentiu uma pontada gélida no estômago. Fitando seus olhos no retrovisor estavam outros olhos. Olhos sujos e mal-intencionados, de um homem maltrapilho que agachado ocupava um vão entre o portão do prédio e a lixeira. Ela ouviu o barulho do cano da arma ao tocar o vidro, sentiu o impacto da bala do malfeitor. Sangrou no asfalto até a morte.

E foi só quando ouviu a buzina irritada de outro carro que ela voltou a si. Fitou o retrovisor: o homem ainda estava lá, imóvel. O portão entretanto, já tinha fechado. A realidade a impulsionou apesar do medo. Acelerou o carro desbloqueando a via; mentalmente ela repassava a listas de coisas a fazer: avisar ao síndico do sujeito suspeito que viu; alertar as filhas para terem cuidado ao sair de casa; avisar a polícia.

Enquanto isso, na calçada, um homem amaldiçoava a própria sorte: tinham que sair da garagem justo na hora em que ele estava fazendo cocô?