FUTEBOL

Segundo um amigo meu, a coisa se passou na época em que a bola procurava nossos jogadores em campo, como cadelinha amestrada, para lamber a chuteira de cada um daqueles jogadores que deixaram maravilhosas lembranças.

Morreu um amigo comum, morador na zona rural, no bairro Água Limpa, um sítio aqui próximo da cidade.

Ao velório foram ele e mais três, num fusca "pé-de-boi", pela estrada de terra, à noite, ouvindo no rádio o jogo entre Santos e Corinthians.

Ainda hoje um clássico.

Quando chegaram ao destino o jogo estava um a zero.

Desligaram o rádio, desceram do carro e saíram cumprimentanto os parentes do falecido.

Velório de pobre, em casa, com os amigos e vizinhos se confraternizando no quintal, em grupos contando piadas e bebendo cachaça.

O meu amigo, de repente se deu conta na sala, sentado de frente ao defunto, figurante indispensável iluminado por quatro velas desanimadas.

Sentado ao lado, um velho fazia-se mudo e imóvel.

Com certeza alguém próximo da família.

Achou que não ficava bem sair e deixar o sujeito sozinho com o morto.

Aguardou ali paciente, atento, ouvindo que, em algum recanto, alguém acompanhava o jogo de futebol, narrado por radialista entusiasmado, aos gritos, sinalizando os melhores lances do dérbi.

Mas era um som vago, difuso, próximo ali da sala, em algum lugar não identificável, em volume baixo em respeito ao velório.

De repente, a viúva abre a porta do quarto e sai, cabelos cobertos por véu negro, trazendo na face semblante de luto fechado.

Encaminha-se até o morto e acaricia-lhe a face, curva-se e beija o querido.

Depois vira-se e meu amigo, compungido, levanta-se para cumprimentá-la pelo pesar.

No entanto, ela se dirige apressada ao velho sentado ao lado.

Debruça-se sobre ele e diz:

_____ Pelé empatou e Pépe acaba de perder um penalti!

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10-03-2007