Então é Natal
Ele está sentado, na mesa da cozinha, com varias contas, papéis, o notebook aberto com alguns nomes. A mulher entra na cozinha, vai até a geladeira.
- Amor, esse ano eu não vou comprar presentes pra ninguém.
- Como assim? – continua com a porta da geladeira aberta procurando algo – Você vai fazer os seus próprios presentes? Tipo presentes artesanais, capinha para travesseiro, missanguinha.
- Não.
- Que bom isso é brega demais. Vai fazer o que então? Desenhar as pessoas? Tipo caricaturas. Não sabia que você desenhava.
- Mas eu não desenho.
- Ah bom, porque eu não gosto de caricatura, só pegam nossos defeitos, coisa chata.
- Não vou fazer desenho. Não vou dar nada.
- Como assim não vai dar nada?
- Nada.
- Nem pra sua mãe?
- Nem.
- Nem para o seu pai?
- Nem.
- Nem pra mim?
- Nem.
- Pera aí, também não é bem assim.
- É sim, não vou mais colaborar para um mundo consumista.
- Mas não precisa comprar presente para os consumistas, compra só para os conhecidos.
- Você entendeu...
- Não.
Silencio.
- Quero resgatar o verdadeiro motivo de comemorarmos o natal, que é...
- Dar e ganhar presentes.
- Não!
- Só dar?
Silencio.
- Só ganhar?
Silencio.
- A ceia?
- Não, não. é o aniversário de Jesus. Aquele que deu a vida por nós. E pra quê?
- Pra termos um feriado? – resmunga.
- Pra comemorarmos gastando, esbanjando, dando presentes, se importando só com o bem material. Quando na verdade deveríamos nos importar com o que a data representa.
Silencio
- O décimo terceiro não deu pra nada né?
Silencio.
- Não.
- Eu peço o cartão do meu pai emprestado.
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- Para de correr menino, vai sujar sua roupa nova.
- Ué, se eu me sujar eu troco de roupa.
- Mas essa é única nova que você tem. Então para de correr.
- Ah, então eu vou ir trocar de roupa agora.
Vai ir para o quarto.
- Não. Fica com essa.
- Por que eu tenho que me arrumar pra ficar em casa?
- Por que é natal.
- E o que é que tem?
- Que é Natal. O aniversário de Jesus. Não quer ficar arrumadinho para o aniversário dele?
- Ele vai demorar pra chegar.
- Ele não vai vir.
- Então? Eu vou trocar de roupa.
- Não. Não quer ficar bonito para o papai noel.
- Mas eu não vou estar dormindo?
- Vai.
- Então... Vou ir trocar de roupa.
- Não.
- Mas mãe, eu não posso fazer nada, se não me sujo.
- Então não se suje. Fica quietinho.
- Que droga!
- Miltinho! Olha a boca.
- Que aniversário mais chato.
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Depois da ceia de natal, todos os adultos foram embora, só restaram os dois, os anfitriões, jogados no sofá, acabados. Não podiam ir dormir na cama porque as crianças, três, estavam na cama do casal. Então ficaram com medo de acorda-las e elas não quererem dormir mais, retomarem a festa, e porque a cama das crianças estava ocupada por outras crianças deixadas por pais que tomaram muita cidra e esqueceram os filhos.
- Ano que vem não vamos fazer a ceia aqui em casa, pelo amor de Deus.
- Mas a ideia foi sua.
- Minha?
- Sim. Não lembra, no churrasco do Nunes?
- Churrasco do Nunes?
- É, no mínimo já tinha bebido. Veio todo animado falando que esse ano ia mostrar como se faz uma ceia. Que ia deixar Jesus orgulhoso.
- Não, não. Você que disse que ia fazer!
- Eu disse?
- Sim. Você.
- Quando?
- Quando estávamos voltando da sua mãe.
- Eu?
- Sim, a senhora. Não lembra? Veio da casa da sua mãe falando que era capaz de fazer uma ceia. Qualquer um faz uma ceia, é só fazer um peru e colocar frutas cristalizadas e uva passa em tudo.
- Não lembro disso.
- Por isso que eu to refrescando sua memória.
- Qualquer um faz uma ceia.
- Exatamente. Nada mais de ceia.
- Nunca mais.
Silencio. Ambos dão uma pescada. Ela pergunta sem se dar o trabalho de abrir os olhos.
- E o peru?
- Ta cansado também. Desculpa amor, mas eu hoje eu não aguento, eu sei que faz um tempo que não fazemos, mas eu to morto.
- Do que você está falando?
- Do que você está falando?
- Do peru que sobrou.
- Ah... Eu também.
Silencio.
- E ai, o que vamos fazer?
- Você não deu para as visitas levar embora?
- Sim, mas mesmo assim sobrou. Você trouxe três perus? Não sei pra que tanto peru.
- Você que pediu.
- Não, falei que queria o suficiente pra mamãe não reclamar.
- Então. Era três pelo preço de dois.
Silencio. Fecha os olhos, pela primeira vez em quase 24 horas.
- E ai?
- O que?
- O que vamos fazer com o peru?
- Vamos improvisar.
- Improvisar?
- Sim, almoçamos peru amanhã, sanduiche de peru no café da tarde, peru desfiado a noite, com batata no outro dia e assim até acabar.
- Mas eu não gosto.
- Tarde demais.
Silencio.
- Já sei. Quando os pais daquelas crianças que estão no quarto buscar elas, fazemos um acordo, só devolvemos se levarem mais peru. Caso o contrario ficamos com ela.
- Isso.
Vão se beijar, mas dormem antes que suas bocas se encontrem.
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A ceia está acontecendo lá fora. Linda. Como deve ser. E na cozinha algo não parece ter saído como o planejado.
10 minutos para meia noite
- Feliz Natal. – entra o tio velho na cozinha.
- Mas ainda não é.
- Claro que é. No meu relógio já é. Feliz Natal.
- Tio Carlos você tem que arrumar esse relógio.
- Ou vocês arrumar o de vocês.
- Ainda não é meia noite, não estão soltando fogos.
- Lógico é natal, não ano novo. Feliz Natal.
- Ainda não é.
- Então tá, depois não vem reclamar que eu não dei feliz natal.
Um bando com cinco crianças entram na cozinha, organizados, fazem um motim e clamam pelo papai Noel. “queremos o papei Noel, queremos o papai noel”.
- O Papai Noel só chega meia noite filho.
- Mas já é.
- Tio!
“Queremos o papai Noel! Queremos o papai Noel!”
- Milton cade o teu irmão.
- Ele foi buscar o gorro que ficou em cima da cama dele.
- Isso faz mais de uma hora Milton.
- Ele já está chegando.
Finalmente o papai Noel entra pela porta bêbado, fumando um cigarro e com a barba na nuca.
- Feliz Natal!
- Rodrigo o que está acontecendo?
As crianças tomam um susto e saem correndo cada um para um lado.
- Feliz natal. – o tio do relógio atrasado vai cumprimentar o papai noel.
- Ainda não é!
- Depois eu não vou dar.
- Milton olha seu irmão.
- Rodrigo.
- O que?
- Você está bêbado.
- É que eu tava vestido de papai Noel, então fui parando em todas as casas, você não tem noção como papai Noel é bem tratado. Nunca fui bem tratado. – Começa a chorar.
- Milton recompõe seu irmão.
- Rodrigo.
- Eu quero ser papai Noel para o resto da vida.
- Mas eles só trabalham em dezembro.
- Melhor ainda. Trabalha um mês, folga onze.
- Poh Rodrigo bêbado, só precisava que você fosse o Noel das crianças você faz isso. Assim você acaba com o meu natal.
- Pera aí amor, também não é assim.
- É assim, sim.
- Ah Noemia, você colocou frutas cristalizadas em tudo, você quem acabou com o natal.
Ela também começa a chorar.
As crianças entram chorando na cozinha. Os curiosos que estavam lá fora entram pra saber o que está acontecendo. Flagram o papei Noel com a barba na nuca, fumando e chorando. A anfitriã chorando com o pudim de ameixas na mão e o tio emburrado.
- O que aconteceu?
Antes que o Milton comece a dar explicações alguém no meio grita: “MEIA NOITE”.
Todos começam a se abraçar. Desejar boas festas. Felicidades. Esquecem da briga. A mulher e o papai Noel continuam chorando, mas agora é choro de alegria. Dizendo que se gostam. O tio está no canto emburrado. Balançando a cabeça negativamente, uma criança vai até ele, abre os braços.
- Feliz Natal tio!
Ele retribui, abraça a criança.
- Feliz Natal. Mas saiba que já faz dez minutos que já é natal.