Fim do mundo

A mãe está tentando assistir a novela.

- Mãe.

Silencio.

- Mãe!

Silencio.

- Manhê.

- Oi, a mãe ta vendo a novela.

- Onde nós vamos passar o fim do mundo.

- Ãhm?

- O fim do mundo. Amanhã. Onde vamos passar? Não vai ser na casa da vovó né.

- Que fim do mundo filho? Ta doido. Amanhã nós vamos ficar em casa. fim do mês, sem dinheiro.

- Ah manhê! Mas, eu não quero passar o fim do mundo em casa.

- Para com esse negócio de fim do mundo. O mundo não vai acabar. Agora deixa a mamãe assistir.

Silencio.

- Vai sim.

- Vai sim o que?

- Acabar.

- Quem disse?

- Meus amigos falaram na escola.

- É mentira filho.

- Ta na internet.

- O que eu falei sobre ficar vendo besteiras na internet?

- A professora também falou.

- Sua professora?

- É, depois de jogar o apagador no Dieguinho, rasgar toda a roupa e sair gritando: “QUE SE DANE, O MUNDO VAI ACABAR MESMO!”.

- Ela fez isso?

- Sim.

- Meu Deus. Isso é o fim do mundo.

- Viu!

Silencio. A mãe volta a prestar a atenção na novela.

- E ai, vamos para o shopping?

- Fazer o que no shopping?

- Passar o fim do mundo.

- Meu Deus filho, para com esse negócio de fim do mundo. O mundo não vai acabar.

- Vai sim.

- Não vai.

- Vai. Vamos passar no shopping.

- Não vamos a lugar nenhum.

- Ah, vamos!

- Não.

- Vamos!

- Não vamos a lugar nenhum. Vamos passar o fim do mundo em casa. Juntos. Assistindo TV. Agora deixa eu assistir minha novela.

O menino fica emburrada. Sai da sala batendo o pé. Vai até o quarto, o pai também está assistindo TV.

- Pai.

Silencio.

- Pai.

Silencio.

- Paiê.

- Oi filho.

- Vamos passar o fim do mundo no shopping?

- Pede pra sua mãe.

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Dois caras num bar

- E ai, o que você acha desse negócio do fim do mundo?

- Acho bom.

- Acha bom?

- Não acredito, mas acho bom.

- Como assim: não acredita, mas acha bom?

- Não acredito que vá acabar, mas seria bom se acabasse.

- Por quê?

- Porque eu acho que já deu o que tinha que dar.

- Também não é bem assim. Você está sendo radical.

- Não. Acho que tinha que acabar mesmo. Começar outro do zero. Dessa vez sem deixar as coisas chegarem aonde chegou.

- credo, que pessimista.

- Não é pessimista, é realista. Realista. – fala e bebe.

Silencio.

- Sabe que eu to com um pouco de medo que acabe mesmo.

- Não se preocupe que não vai.

- Como você pode ter tanta certeza? Vai que acaba.

- Não vai.

- Como você sabe?

- Vaso ruim não quebra.

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Dois profetas conversando.

- Será que dessa vez vai?

- Olha parece que sim hein. Ta rolando um bafafá no meio, que os Maias não erravam uma. Eles eram bons.

- Será?

- É o que tão falando. Os caras eram bons. Acertavam desde previsões de desastres, até qual seria o sexo dos bebês. Naquela época não tinha esse negócio de ultrassonografia.

- Não sei não. Segundo as minhas previsões, não vai acabar não.

- Suas previsões?

- É.

- Você nunca acertou nada.

- Nem você.

- Eu sabia que você ia falar isso.

- Eu também sabia, que você ia falar que sabia que eu ia falar.

Silencio.

- Na verdade eu não sabia.

- Eu também não.

- somos duas farsas.

Silencio.

- Eu nunca acertei uma previsão.

- Nem eu.

- Queria muito acertar uma previsão. De morte, de desastre, nem que fosse de jogo. Uminha que fosse.

- De jogo eu já acertei.

- Jogo importante?

- Jogo do bicho.

Silencio.

- Na verdade, meu sonho mesmo é acertar uma previsão de um apocalipse.

- O sonho de todos nós é. De todos nós.

Silencio.

- Só teria uma coisa ruim em acertar.

- O quê?

- Não ia ter como dizer: viu como eu estava certo.

- Verdade.

Silencio.

- Será que chove?

Olha para fora.

- Não sei.

Volta a beber.

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No paraíso, após o fim do mundo.

- Sejam todos bem vindos. Vão se acomodando. Bem vindos. Não reparem a bagunça.

- O que aconteceu?

- Como assim o que aconteceu?

- Onde estou?

- Pera aí, você quer saber o que aconteceu, ou onde você está?

- Os dois.

- O mundo acabou e você está no paraíso.

Silencio.

- Muito engraçado.

- Obrigado. – passa algumas pessoas. – sejam bem vindos.

- Quem é essa gente toda.

- Seus irmãos.

- Meus irmão?

- Meus hospedes.

- Seus hospedes?

Silencio.

Chegam mais pessoas.

- Fica a vontade. Desculpa os transtornos.

- Alguém pode me explicar o que está acontecendo. – grita.

- O mundo acabou.

- Que papo é esse de o mundo acabou?

- Acabou. Não estava previsto pra acabar? Então, acabou.

- Mas eu achei que era brincadeira.

- Achou errado.

- A previsão nunca acerta.

- Dessa vez tava certa.

- Mas eu não me despedi de ninguém.

- Não se preocupe, eles estão por aqui. Em algum lugar. Ta meio bagunçado, mas devem estar por ai. Procura aí.

- Mas eu não fiz tudo o que eu queria.

- Não fez por que não quis. Teve tempo. Isso ta sendo avisado faz tempo.

- Mas eu ia saber que realmente ia acabar.

- É, ai já foge da minha alçada.

- Eu quero falar com o seu superior.

- Meu superior?

- É.

- Ele está ocupado.

- Eu espero.

- Ele pode demorar.

- Não tem problema. Tenho toda a eternidade.

- Mas o que você quer com ele.

- Quero uma satisfação.

- como assim.

- Como ele acaba com o mundo assim sem mais nem menos. E os meus direitos.

Senta no chão, obstinado a ficar nem que for toda a eternidade pra falar com Deus.

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Dois homens estão dormindo de conchinha. Homens mesmo. Estilo neandertal. Peludos. Barba por fazer. O que está atrás começa a acordar. Faz carinho na mão que está por cima do ombro. Sem abrir os olhos. O que está atrás retribui o carinho. Passa a barba no cangote do da frente. Que estranha, já que pinicou. Vira lentamente. Abrem os olhos ao mesmo tempo.

- Ai CACETE! Não acabou. – gritam em uníssono.

Noite anterior.

Os dois estão na cozinha. Na mesa varias garrafas vazias. Estão completamente bêbados.

- Então é isso. Plena noite de fim do mundo jogado as traças.

- É isso.

- Eu que queria tanto casar. Constituir família. Vou morrer sozinho.

- Opa, sozinho não.

- Sozinho é modo de dizer. Sozinho sem mulher.

- Mulher. Pra que mulher. Eu já tive de todos os tipos e nenhuma me satisfez.

- Falou ai, Martinho da Vila.

- Não, é verdade. Nunca consegui gostar de nenhuma, ter uma amizade, um laço sabe. Tipo como o nosso.

- Sei.

- Eu te considero pra caramba.

- Não, mas do que eu considero você.

Os dois se abraçam.

- Então, é isso. Mas estou feliz de passar meu ultimo dia com você.

- Eu também.

Silencio. Bebem mais.

- Falta quanto ai?

- 1 hora.

- Falta pouco.

- Falta.

Silencio.

- Você já experimentou de tudo já?

- De tudo.

- Tudo?

- Tudo!

Silencio.

- Cara, essa é a ultima vez que vamos nos ver.

- Não, vamos nos encontrar do outro lado.

- Claro, claro, mas eu digo em vida. Em vida é a ultima vez.

- Em vida sim.

- Já pensou se a gente... Como eu posso dizer isso...

- A gente?

- Não, besteira minha.

Bebe e fica em silencio.

- Fala.

- Não, esquece.

- Falta menos de uma hora para o fim do mundo. Nada mais importa. Fala.

- É besteira.

- Fala!

- Você sabe que eu te considero.

- Não mais que eu.

- Ta, não mais. Então, que tal se nós dois, dormíssemos juntos?

- Oi?

- Falei que era besteira. Esquece.

- Dormir juntos.

- Eu to bêbado.

- Dois homens, adultos, dormindo juntos.

- Não sei o que estou falando.

- Eu sou macho. Macho. Já trai minha mulher e os cambau

- Eu sei. Eu sei.

- Ai você vem falar uma coisa dessa.

- Já falei pra você esquecer.

- Cê ta louco? Dormir com um homem.

- Esquece.

- Imagina o que os outros iriam falar. Eu, o mais macho de todos. Um exemplo.

Silencio. Continuam bebendo.

- Quanto tempo falta?

- 40 minutos.

Silencio.

- O mundo vai acabar mesmo né.

- Pelo que estão falando sim.

Silencio.

- Não vai ficar nada.

- Nadinha.

Silencio.

- Você sabe que eu te considero né?

- Sei, sei sim.

Levanta. Mata o ultimo gole do copo. E vai saindo.

- Onde você vai?

- Vamos para o quarto, aproveitar os últimos minutos.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 21/12/2012
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