Papo de Astrólogo
Eu passava na Rua Comendador João José Jerônimo, em frente ao correio, quando avistei de longe o Zé. Fazia uns dois anos que não conversávamos, ele estava meio diferente, um pouco mais gordo, caminhava em minha direção e ele só me viu quando pronunciei o nome dele.
- José Heitor Pereira Silva Manganês Santos do Porto Filho.
- O que? Bel! É você? - Falou espantado.
- Sou eu Zé!
- Como é que você está?
- Tudo jóia. E você?
- Vou bem.
- Você me parece muito bem. Está até mais moço.
- Que nada, você está bem melhor.
- É bom te ver rapaz. E seu irmão Totó, cadê?
- Eu não o vejo já faz um tempão.
- É mesmo?
- É. Desde o enterro.
- Que enterro?
- O dele.
- O dele? Ele Morreu?
- Faz uns seis meses.
- Sério?
- Ele tava, mas a mulher dele não. Chorava que nem uma desgraçada.
- Deve ser brincadeira. Você só pode estar brincando.
- Às vezes eu brinco com meu filho.
- Você se casou?
- Não. É produção independente.
- Eu sei, aconteceu um acidente.
- É.
- Seu irmão que morreu... Ele era o gêmeo?
- Não. Câncer.
- Câncer?
- É. Igual a mim.
- Nossa! Você também! Essas coisas são horríveis.
- É.
- Mas você está bem?
- Estou.
- E o outro? O Tié, onde anda?
- Ele não anda, sofreu um acidente e perdeu o movimento nas pernas.
- Coitado! Logo ele que jogava bola?
- Não. Quem jogava bola era o Tito meu irmão mais velho. O Tié é o mais novo.
- Lembrei-me disto quando te vi lá longe – falei - eu sempre fazia confusão entre eles dois, porque se parecem muito apesar de terem idades diferentes.
- Todos se confundiam. Mas eu sempre fui mais magro que eles.
- Ainda bem que eu não errei o seu nome – falei.
- É.
- Mas os nomes deles eu sempre trocava - tentei desconversar, mudar de assunto, para não ficar naquela conversa chata, mas o cara só tinha notícia ruim. Mesmo assim arrisquei outra pergunta.
- E sua irmã?
- Qual delas?
- A mais nova. A que eu namorei.
- Ela era virgem.
- Era?
- Era.
- Mas acabou achando alguém?
- Achou. Um escorpião.
- Escorpião?
- É. A coitada morreu.
- Morreu? E não teve jeito?
- Não, essa combinação não tem jeito.
- Não a levaram ao médico?
- Levamos, mas não adiantou nada. Ela foi definhando e acabou morrendo.
- Nossa! Que terrível.
- É.
- Ela me parecia tão forte.
- Não aguentou.
- E o seu pai? Como está? - tentei mudar de assunto novamente.
- Agora está bem.
- Que bom. Ta fazendo o que?
- Ta descansando.
- De férias?
- Não. Morreu.
- Também?
- É.
- Mas ele era tão forte. Vivia sossegado lá na fazenda.
- É, mas eu previ isto também.
- Como assim?
- Touro! Touro é um ser que em uma hora ta sossegado e repentinamente vem o ataque e pronto, acabou-se.
- Coitado! Deve ter sido horrível para sua mãe?
- Se ela tivesse visto teria sido.
- Ela não viu?
- Não pôde ver. Tinha morrido dois meses antes.
- Também?
- É.
- E ela foi o que?
- Ela foi peixe.
- Peixe? Que tragédia.
- É.
- Morreu engasgada?
- Não. Caiu no rio.
- Então era piranha?
- Não. Minha mãe era descente e não piranha.
- Não! Quero dizer se foi piranha que atacou ela.
- Não. Ela é que não sabia nadar e morreu afogada.
- Quanta desgraça.
- É.
- Bom, eu preciso ir agora - tentei novamente mudar o rumo da conversa e sair dali. Aquela conversa me deixou muito abatido.
- Eu também preciso ir.
- Até logo.
- Até logo. Foi um prazer conversar com você mais uma vez.
- Até mais.
Fiquei pensando nas coisas que ele havia me falado. A família toda se acabou, uns morrendo outros sumindo, o irmão ficou deficiente e ele ainda estava sossegado como era antes. O papo dele era a coisa mais estranha do mundo, parecia que estava dopado. Os irmãos morreram. O mais novo morreu de câncer, o irmão mais velho sofreu um acidente, a irmã que não se casou, e que ele achava que era virgem, morreu de picada de escorpião, o pai, um touro atacou a mãe morreu afogada em um rio que tinha peixe. Que coisa estranha parece até Horóscopo.