Fazendo as malas

- Eu não gosto de fazer as malas.

- Eu também não, por isso já compro elas feitas.

- Rá! Rá! Engraçadão.

- Por que não gosta? É só colocar o que você vai precisar e pronto.

- Mas eu não sei tudo que eu vou precisar.

- Leva só o essencial.

- Mas e se o essencial não for o suficiente?

Silencio.

- E é estranho porque na volta a mala fica mais cheia do que na ida.

- Então sua preocupação não é com a ida é com a volta.

- É. Pode ser. Faço a mala pensando na volta. Se vai ter espaço pra fechar na volta.

- Então leva menos coisas.

- Por quê?

- Porque assim fica mais espaço na mala, pra volta.

- Não entendi.

- Você não se preocupa com o que vai levar e ainda por cima fica com espaço pra volta.

Silencio.

- Viagem boa é a aquela voltamos com a mala mais cheia do que quando fomos.

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O pai coloca a cabeça para dentro do carro e pergunta.

- Prontos?

- Prontos! – gritam as crianças em coro.

- Vamos amor.

- Não sei... to com a impressão que to esquecendo alguma coisa.

- O que?

- Se eu soubesse o que é não estaria esquecendo.

- Então vamos.

- Espera aí.

Silencio.

- Vamos. Não quero pegar transito.

- Espera.

- As crianças já estão no carro.

- Chinelo, bermuda, protetor, lençol, fronha.

- Se você esqueceu alguma coisa a gente compra.

- Pra que comprar se tem em casa.

- Tem em casa o que?

- O que eu to com a sensação de estar esquecendo.

- Mas o que é?

- Já disse que não sei. E para de me pressionar.

Silencio.

- Cueca, remédio, biquíni, toalha de mesa.

Silencio.

- Paaaaai.

- Espera a mamãe, ela ta com problema de memória.

- Ronaldo.

Silencio.

- Lembrei.

- O que?

Ela desce do carro. Pega a chave. Abre as 5 fechaduras. Vai para dentro. Volta com uma sacola.

- O que é isso?

- O que eu tava esquecendo.

Ele balança a cabeça. Mais uma vez vira pra trás e pergunta.

- Prontos?

- Prooooontos!

- Calma.

- O que foi dessa vez?

- Ainda to com aquela sensação.

- Vai logo pai, antes que ela resolva voltar.

O pai liga o carro a mando das crianças e vai.

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Depois da primeira noite na casa de praia.

- Bom dia dorminhoco.

- Nossa.

- O que? Solzão né?! Não sei como você consegue dormir tanto.

- Dormir tanto, só dormi duas horinhas, não viu que eu me mexi a noite toda?

- Não, eu tava dormindo.

- Eu dormi mal pra caramba.

- A relaxa, você ta na praia. Não veio pra cá pra dormir.

- Lógico que vim.

Silencio.

- Meu Deus, como tem pernilongo nessa casa. Acho que tava rolando um flash mob de pernilongo na minha orelha.

- Ai amor para de reclamar, você ta na praia.

- E esse calor. Porque você insiste em dormir de coberta mesmo no calor.

- Não sei, não consigo dormir sem o meu edredonzinho.

- E eu tenho que ficar cozinhando.

- Mas é que era a primeira noite de férias, queria dormir de conchinha com o meu amor.

- Com o calor que estava debaixo daquele edredom nós não estávamos dormindo de conchinha, mas sim dormindo de franguinho. Franguinho assado.

- Ai, para de reclama Paulo Henrique, você ta na praia.

- Para de falar que eu to na praia, eu sei que eu to na praia. Ta calor, tem areia na minha cueca e essa maresia ta me dando enjoo. Eu sei que eu to na praia.

- Então, curte.

- Curte o que mulher?

- A praia.

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Na agencia de viagens

- Então o que vocês estão procurando?

- Não sei, algo diferente sabe.

- Pra fazer a gente esquecer da rotina.

- Se desligar totalmente do trabalho.

- Pra fugir sabe?

- Um lugar que não tenha nenhum conhecido.

- Onde não pegue os celulares.

- Com boa comida.

- E boa bebida.

- Boa musica.

- Isso, quero dançar, me acabar de dançar.

- Um lugar que tenha gente bonita.

- Homens bonitos.

- Mulheres bonitas.

- Cachorros bonitos.

- Ah, bonitas e simpáticas.

- Que não julgue sua aparência.

- Um lugar restrito a pessoas boas.

- Ah e tem que ser barato.

- É, juntamos um dinheiro, mas não é uma fortuna.

Silencio. Ele mexe no computador.

- Com essas recomendações que vocês pediram. Deixa-me ver.

Silencio.

Os dois estão felizes por finalmente ter conseguido tirar férias, na mesma época, após ter deixado muitas vezes até de sair se divertir, pra juntar dinheiro.

- Olha aqui, eu até achei um lugar assim.

- Sério.

- Nossa, nem acredito.

- Mas acho que não vai ter como ir.

- Por quê?

- Ta muito caro né, sabia.

- Não seja por isso, eu faço um empréstimo. Nós merecemos.

- Ai amor, que lindo.

- Não, não é pelo fato do preço não.

- Então o que é?

- É que esse lugar não existe.

Os dois ficam em silencio.

- Mas por um valor muito baixo eu tenho o pacote para Pitanguinha.

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O casal chega ao destino depois de mais de nove horas de viagem, pra um lugar onde sem transito demoraria no máximo duas. Ele estaciona o carro. Tiram as bagagens. Ele tira. Encaminham-se para a porta.

- Finalmente férias.

- Não aguentava mais ficar naquele carro.

- Se tivéssemos que ficar mais meia hora juntos dentro daquele carro eu ia direto pra um cartório pedir o divórcio.

- Oi?

- Pera aí, tem alguém na casa.

- Ah não. Só faltava essa, ladrão. Esses bandidos vão me desculpar, mas eu preciso deitar.

Fala e vai girar a maçaneta. Ele da uma cabeçada nela, já que esta com as mãos ocupadas.

- Ta doida.

- O que?

- quer morrer.

- Até parece, morrer.

- Morrer e estragar as minhas férias.

Alguém abre a porta. Ele solta as malas no chão e ergue os braços.

- Leva tudo só não nos mata. É meu primeiro dia de férias.

O homem que abre a porta fica com cara de quem não está entendendo.

- Oi?

- Quem é Dirceu? – grita da cozinha, uma mulher.

- Não sei, mas pediu pra eu não matar ele.

- Tem como ser rápido, eu preciso muito deitar. Pegamos um baita transito.

Ela fala, empurra o homem que está parado na porta para o lado, entra e senta-se no sofá.

- Deitar?

- A próposito, eu não sei porque você está roubando uma casa de praia, não tem nada de bom aqui. Nenhuma tem. As TVs são sempre antigas, olha isso. Tem vídeo cassete, quem é que usa vídeo cassete. Não tem nada que preste, principalmente nessa casa. Nossa Gustavo, você falou que a casa era boa.

- Nas fotos da internet era boa.

- Tudo pela internet é melhor. Não lembra como a gente se conheceu?

- Aé.

- Mas que seja, agora já pagou. Vamos aproveitar.

O homem continua parado na porta sem entender. A mulher que gritou vem da cozinha com uma faca na mão, porque estava descascando alguma coisa.

- Meu Deus!

- Quem são vocês?

- Não faço a mínima ideia.

- É meu primeiro dia de férias. Não me mata. Pode ficar com ela.

- Milton!

- O que vocês estão fazendo na minha casa?

- Alugamos para as férias.

Responde a mulher, do sofá.

- Cade o controle da TV?

- embaixo da almofada.

- Dirceu!

Silencio.

- Como assim alugaram para as férias?

- Alugamos e pagamos adiantado.

- A metade.

- Ah é por isso que o senhor tava comprando um monte de coisinhas novas seu Dirceu?

- Eu não tenho a mínima idéia do que eles estão falando.

- Pode dar a outra metade pra mim.

- Mas o combinado era pagar a outra metade depois.

- Não quero saber qual foi o combinado, a casa é minha também. Se quiser paga, ou vão procurar outra casa.

- Paga de uma vez Milton.

Ele deixa as malas e vai até o carro.

- Mas eu não aluguei nada.

- Alugou sim. Pra 15 dias. Só acho que você devia atualizar as fotos no site porque por lá parecia muito melhor. Isso é propaganda enganosa. Olha essa decoração.

- Calma aí, olha como você fala da minha casa.

Fala a mulher balançando a faca.

- E que história é essa de fotos no site Dirceu, tirou quando eu não tava é? Mas você é muito ligeiro né.

- Eu não sei do que eles estão falando.

- Espero que você tenha alugado bem. Porque eu vou pegar essa outra metade e vou para um SPA. Pensando bem também to precisando de férias.

- Eu queria ter ido para um SPA, mas o Milton é um pão duro. Acabamos caindo numa casa mal acabada na praia.

- Da pra parar de ofender?

- Desculpa a sinceridade.

- Vou ir fazer as malas.

Vai para o quarto.

Dirceu continua parado na porta.

O homem vem contando dinheiro, da para ele.

- Eu não quero seu dinheiro.

- Da pra mulher.

- Não é pra dar pra minha mulher.

- É sim! – grita do quarto.

- Eu não aluguei a casa.

- Alugou sim. Eu não vou sair desse sofá. Começou minha novela.

A mulher vem do quarto com a mala feita.

- Nossa, mas você sempre demora tanto pra arrumar a mala.

- Porque eu nunca tinha ido para um SPA.

Milton da o dinheiro para mulher. Ela pega e se encaminha para a saída.

- Não esquece de molhar as plantas.

- Ok.

- Mas e eu?

- Se vira.

Fala e vai. Milton vai até o telefone, liga para alguém.

- Posso ficar com vocês?

- Tem mais um casal de amigos nosso, vindo pra cá.

- Isso, rua Andorinhas, 567.

- Aqui é o 565.

Silencio.

- Você dorme no sofá.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 28/11/2012
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