Cleptomaniaco
No consultório psiquiátrico.
- E ai, como você está?
- Bem. – guardando uma caneta no bolso.
- Anderson.
- O que?
- A caneta.
- Ah, não é minha?
O médico faz que não com a cabeça. Anderson coloca a caneta no lugar.
- Eu to melhorando doutor, melhorando.
O médico da uma pigarreada, enquanto Anderson disfarçadamente coloca o porta retrato no paletó.
- Mas vou dizer que não ta sendo fácil. As pessoas fazem coisas pra me incentivar a pegar.
- Como assim, que tipo de coisa?
- Varias, deixam as coisas soltas. Como se tivessem me testando. Mas eu to conseguindo me controlar. To mesmo doutor.
- Aé?
- Sim, ontem mesmo eu fui jantar com uma amiga, então ela me deixou sozinho e tinham varias coisas em cima da mesa me chamando.
- Onde vocês estavam?
- Na casa dela.
- No caso essas coisas não seriam os pratos e os talheres do jantar?
- Sim, mas precisava deixar ali em cima daquele jeito?
- É o que as pessoas fazem quando vão jantar.
- É mas...
- Mas você se controlou?
- Sim, me controlei. Apesar de ter um saleiro sensacional.
- E ai?
- Ai depois do jantar nós fomos pra sala.
- E você não pegou nada da cozinha?
- Nada.
- Muito bem, pode continuar.
- Então fomos para sala. Uma sala bonita, com vários enfeites na rack, um elefantinho lindo, uma daquelas corujas pra tirar o mal olhado. Sabe que eu nunca peguei uma dessa. – fazendo uma constatação pra ele mesmo.
O médico tosse interrompendo o devaneio.
- Ah desculpa. Então mais uma vez ela saiu e me deixou lá. Com aqueles enfeites lindos. Tinha uns bloquinhos de papel, umas canetas, esse tipo de coisa que ninguém mais tem do lado do telefone, raríssimo para os cleptomaníacos.
- Você pegou?
- Não doutor, fui forte. Não peguei.
- Parabéns, vemos uma evolução acontecendo.
- Então fomos para o quarto, começamos a nos pegar, ela é uma daquelas amigas com beneficio. – pisca para o doutor. – se é que o senhor me entende.
- Não, mas pode continuar.
- Estávamos nos pegando, ela é bem gostosa, estava de vestido, então imagine ela por cima de mim, no meu colo, beijando meu pescoço, falando besteiras, me atentando.
Mais uma pigarreada.
- Me empolguei de novo. Então quando estava esquentando mais, ela saiu de cima de mim e falou para eu esperar.
- Então eu reparei como o quarto de mulher solteira tem enfeite e coisinhas, sabe essas coisas que ninguém sabe pra que serve, mas da vontade de ter, essas coisas que só a Imaginarium vende. Tinha varias.
- Você pegou!
- Não.
- Muito legal. Fico muito feliz em ver essa evolução.
- Eu também. Nem acreditei que conseguiria me controlar desse jeito.
A sessão encerra, os dois levantam, médico e paciente, quando o paciente vai se encaminhar para a porta caem os enfeites da mesa do médico que ele tinha colocado na calça. Ambos se olham.
- Semana que vem na mesma hora?
O médico faz que sim com a cabeça. Anderson vai sair, o médico solta um “ãrãm”. O paciente tira a miniatura do Freud do bolso e devolve.
Entra o próximo paciente, senta-se na cadeira.
- Então Eduardo, tem conseguido se controlar com a coisa da superioridade.
- Sim. Tenho. Até esses dias até parei para conversar com uma pessoa mais pobre, idiota e mais feia do que eu.