O CAVALO BRANCO

O caso que vou relatar a seguir faz parte do anedotário de domínio público. Ouvi-o em minha juventude e agora o reconto à minha maneira, com o meu jeito de dizer. Assim, quero perpetuá-lo e, espero, divertir os leitores.

Na escuridão da noite, sem a companhia da Lua, ele conduzia sua velha caminhonete pela estrada de terra batida. O arvoredo que margeava o caminho, vez por outra, dava lugar a uma vegetação rasteira e o motorista, mirando-se no estreito espaço delineado pelos faróis, seguia em velocidade moderada, com solavancos que sacudiam veículo e condutor como se aquele fosse mais um burro bravo que uma máquina. Súbito, o inesperado: O motor parou de funcionar. Desolado, ele desceu do conforto do assento para pisar na poeira da estrada. Que maçada! Abriu o capô, iluminando com a lanterna de mão aquela parafernália mecânica, sem saber por onde começar a busca do defeito. Então ouviu alguém dizer, bem próximo, cerca de uns dez metros à beira da estrada: “O problema está na bomba de gasolina”. Voltando-se, apontou o facho da lanterna na direção de onde tinha vindo aquela fala, mas não havia senão um cavalo branco, com uma mancha preta que lhe circundava o olho direito, à maneira de um pirata. O motorista, um tanto assustado, perguntou: "Quem falou?”. “Eu”, respondeu-lhe o cavalo. Isso mesmo! O cavalo estava falando. Um arrepio eriçou os cabelos do atônito homem, seguido de um calafrio que, nos primeiros segundos, o deixou paralisado. Porém, o instinto de defesa agiu prontamente e ele disparou estrada afora. Sabe-se lá que distância percorreu e quanto tempo levou nessa louca carreira. Já estava pondo os bofes para fora quando avistou uma birosca, um botequim de beira de estrada. Adentrou o estabelecimento e, na velocidade em que chegou, bateu com o peito no balcão, recuou com o impacto, rodopiou e caiu estatelado sobre uma mesa onde quatro homens bebiam e jogavam baralho. Deram-lhe água, mas antes, para que recuperasse o fôlego, um dos presentes, com uma bandeja, ficou abanando a cara do infeliz. Um pouco refeito, e com os olhos arregalados, ele relatou o ocorrido. Havia ali, talvez, umas dez ou doze pessoas. Ninguém disse nada; apenas se entreolharam e foram lentamente voltando às suas mesas. Foi nesse instante que Jonas, um velho e misterioso sertanejo, que até então se deixara ficar na mesa mais ao fundo, levantou-se e, lentamente, como quem mentaliza algo, dirigiu-se ao assustado recém-chegado, questionando com voz grave, baixa, mas perfeitamente audível: “Esse cavalo que o senhor acaba de mencionar é branco e tem uma mancha preta na cara?”. O homem, ainda ofegante, balançou afirmativamente a cabeça. Total silêncio no recinto, o velho e respeitado Jonas ia dizer alguma coisa. E ele disse: “Moço, longe de mim qualquer atitude que possa influenciar o senhor numa decisão que pode ou não ser importante daqui para a frente. Mas, com toda minha experiência eu lhe afirmo: Não acredite numa só palavra daquele cavalo. Ele não entende de mecânica”.

Gerson Silvestre
Enviado por Gerson Silvestre em 09/11/2012
Reeditado em 24/12/2012
Código do texto: T3977873
Classificação de conteúdo: seguro