Os
PERFEITOS
PERFEITOS
Texto de Rafael Velloso
Num parque da cidade, um casal conversa abraçado. Estão aparentemente apaixonados. Ele é negro e romântico. Ela é branca, tem sotaque gaúcho e é mais extrovertida. Chamam-se Rubens e Luciene.
RUBENS: - Ai, amor! Dois anos de namoro! Um namoro sem brigas, sem ciúmes doentios, sem suspeitas de gravidez... Acho que fomos feitos um para o outro!
LUCIENE: - É né, amor? Nunca brigamos, nunca nos sentimos interessados por outras pessoas, nunca fizemos sexo sem camisinha, nunca fizemos sexo num lugar estranho, tipo praias, banheiros públicos, casa de parentes no meio da madrugada... Nunca fizemos isso um com o outro!
RUBENS: - Sem contar que eu nunca quis estar longe de tu. Sempre quis estar por perto, abraçadinho... Não posso expressar o quanto estou feliz ao seu lado, Luci! Juro mesmo! Sou apaixonado por você desde o dia em que te tirei do puteiro...
LUCIENE: - Oh, meu amore! Nem me lembre disso! Tu foi um anjo que me tirou daquele centro do pecado e sedução ardente! Hoje sou apaixonada e grata a você, meu querido... Às vezes sinto falta da variedade de rôlas, mas você me faz esquecer!
RUBENS: - Deus foi muito bom conosco. Tu me tirou das drogas! Eu ficava o dia inteiro me injetando drogas, usando crack, transando com prostitutas deficientes...
LUCIENE: - Essa sua tara é bem diferente... Mas agradeço por ter conseguido essas minhas próteses de pernas... Era difícil andar sobre um skate...
RUBENS: - Era difícil, muito difícil... Mas minha vida era bem mais. Já fui preso por tráfico de órgãos genitais africanos, lembra? Que eu os revendia para uma cidade japonesa?
LUCIENE: - Sim, eu lembro! Parte de nossa pequena fortuna veio dessa revenda... Graças ao Deus Japonês, você se livrou da condenação!
RUBENS: - Sim... Já fui preso por fazer sexo com Calopsitas em zoológicos abandonados, e depois colocar vagalumes nos bicos deles, para ver se eles arrotavam coisas luminosas...
LUCIENE: - É esse seu exotismo é que me faz mais apaixonada! Somos um casal perfeito! Somos um casal que se completa amor! Rubens, de todos os meus vários namorados, você é o único que eu deixo me tocar desse jeito!
RUBENS: - O que mais me deixa apaixonado por ti, é como você brilha no pôr do sol! Se não te conhecesse, juro, acharia que é uma vampira luminosa que nem do cinema... Amo até o jeito como você toca no meu pinto, com uma mãozinha trêmula, provavelmente decorrente do uso de cocaína por tantos anos...
LUCIENE: - Sabia que gostava desse meu treme-treme eterno. E sabe o que eu amo muito em você, Rubens?
RUBENS: - Minha voz?
LUCIENE: - Também, mas adoro a curva que seu pinto faz perto da ponta... Algumas pessoas teriam nojo da falta de um pedaço num pinto, mas eu acho lindo!
RUBENS: - Foi um cachorro que mordeu quando eu tinha 16 anos! Todos meus amigos tinham transado, menos eu, só sobrou o Chambinho, o poodle da vizinha... Mas quando tentei, ele me mordeu bem LÁ no cabeçote!... Jura que você gosta?
LUCIENE: - Sim! Às vezes, quando encaro ele, essa cicatriz parece a boca do Ronaldinho Gaúcho!... Você é perfeito amor! Nós somos perfeitos!
RUBENS: - Que tal a gente transar aqui, agora? Hein? Aqui nesse jardim, correndo o risco de sermos vistos!
LUCIENE: - Num sei amor... É que num tô preparada!
RUBENS: - Ah, vamos amor! O que custa? Só uma rapidinha, a gente vai pra trás da amendoeira...
LUCIENE: - Mas é que hoje eu vim com a minha calcinha “Dupoint”, ela é de puro algodão, fios de seda, e nunca aperta! Uma excelente sensação de leveza e liberdade até nos momentos mais íntimos!
RUBENS: - Uau! Onde eu estava com a cabeça! Não podemos deixar uma CALCINHA DUPOINT se sujar de terra assim!
LUCIENE: - Até podemos, afinal, as fibras do algodão da calcinha Dupoint são selecionadas eletronicamente, para que ela não suje e nem manche com tanta facilidade quanto as outras! Só as calcinhas DUPOINT possuem uma elasticidade e uma aerodinâmica capaz de dar prazer a quem à veste, mesmo sem qualquer contato sexual!
RUBENS: - Nossa, amor! Passou até a vontade de transar... Essas calcinhas são mesmo um ABSURDO!
Um homem com fones de ouvidos se aproxima dos dois. É o diretor do comercial.
DIRETOR: - Parou! Corta! Tá muito fraco! Esse roteiro tá uma merda!
RUBENS (desmunhecando muito): - Num adianta, eu não consigo fazer o machão, gente. Tava muito forçado?
DIRETOR: - Tava uma merda, tá? Eu nunca dirigi um comercial de lingerie tão fraco! Um gay negro fazendo um romântico! Uma cearense fazendo uma gaúcha... E perneta!
LUCIENE: - Oxi! Mas o senhor tá sendo muito fuleiro, visse? Seu fio de quenga! ... Pois fique sabendo que num tem nesse mundo da moléstia, alguém mais gaúcha que eu!... Seu prego!
DIRETOR: - Sabe o que é pior?
RUBENS: - Eu ser negro e gay?
DIRETOR: - Não, isso eu já disse!... O pior é que nunca essa calcinha ia vender! Os personagens são uns drogados suburbanos, chatos pra caralho, mentirosos, e se fazem passar por apaixonados... Onde isso vai ganhar credibilidade com o público?
RUBENS: - Vilões hoje em dia tão ganhando o coração do público! Carminha tá aí pra isso! E sem contar, que os errados, o politicamente é muito mais legal e chique que o normalzinho pão com ovo!
DIRETOR: - Cala a boca, viado!
Rubens chora nos braços de Luciene.
LUCIENE: - Num grita com ele!
RUBENS: - Grosso!
LUCIENE:- Se esse comercial num for pro ar, me ouve bem! Se esse comercial não for pra maldita da “tevelisão”, eu vou é abrir o berreiro pra todo mundo, que tu, seu diretor, buliu comigo no banheiro!
DIRETOR: - Deixa de ser maluca, mulher! Nunca te tocaria! Sou muito bem casado!...
LUCIENE: - Mas bem que queria pegar nas minhas tetas...
DIRETOR: - Sou muito bem casado!... E já decidi! Não vou filmar um comercial desses!
RUBENS: - Nazista!
DIRETOR: - Sabe nem o que está dizendo!
LUCIENE: - Vou logo avisando que num vou devolver as calcinhas que eu ganhei como adiantamento dessa bodega, visse?
DIRETOR: - Já te digo aonde tu enfia essas calcinhas já, já!
RUBENS: - Homofóbico!
DIRETOR: - Se tu num calar essa boca, eu juro que vou te dar um soco no meio da cara!
Rubens dá um grito histérico de choro e sai correndo de uma forma estranha e saltitante.
DIRETOR: - Graças a Deus, um já foi!... E você, paraíba? Num vai embora não? Tem que liberar o cenário porque ainda vou filmar outro.
LUCIENE: - Eu tô no próximo também!... Num é o comercial de Chester de natal?
DIRETOR: - É sim...
LUCIENE: - Pois é, eu sou o Chester... E com sotaque mineiro!
FIM