O TOMBO DA ONÇA & MAIS
O TOMBO DA ONÇA I (15 OUT 12)
Numa roda os caipiras conversavam,
contando causos sobre suas caçadas,
as mais absurdas mentiras inventadas,
enquanto traguinhos de pinga eles tomavam.
Que pacas haviam caçado se gabavam
ou uma fila de codornas derrubadas
só com um tiro, por estarem enfileiradas
ou tatus que pelo rabo já agarravam.
Dizia um matar veado a bodocaço,
outro afirmava chamar cutia com apito,
mais um prendia capivara em arapuca,
a preencher com patranhas seu espaço,
cada qual a se fazer de mais bonito,
para os compadres deixar numa sinuca...
O TOMBO DA ONÇA II
Logo as histórias já lembravam jacaré
que haviam caçado com paulada na cabeça;
outros com mel atraíam bicho à beça
ou até com luz, feito sapo no iguapé.
Dizia um que coçar um cafuné
nas costas do animal faz que adormeça;
outro enfiava um pau, sem muita pressa,
quando tentava o caimão morder-lhe o pé!...
Quando a conversa mais séria foi ficando,
teve um que disse ter pescado a iara,
outro prendera em armadilha até o caipora!
Mas mesmo de tantas proezas se gabando,
quando a mentira já foi ficando rara,
um ou dois já ameaçavam ir embora...
O TOMBO DA ONÇA III
E então caçadas de onça já iniciaram,
cada um a descrever maior bravata,
de como haviam percorrido a mata
e todo tipo de onça então mataram...
Até que a Nhô Bentico interrogaram:
“Matei uma onça de espinha partida!”
“Mas como...?” Toda a turma ali reunida
se surpreendeu e ainda mais lhe perguntaram.
“É que eu atirei e a espingarda negou fogo!
Então subi numa árvore e a onça atrás!
Chegou bem perto, até que escorregou...”
“Partiu a espinha na queda e morreu logo!...”
“Mas que sorte! Eu me borrava todo, meu rapaz!”
“E no que pensa vancê que ela pisou...?”
O BURRO DO JECA I (16 OUT 12)
Um fazendeiro de Minas Gerais
queria um burro novo adquirir,
para a carroça até a feira conduzir,
onde vendia produtos naturais.
Um dia o empregado, que jamais
lhe falhara, chegou para pedir
um burro novo para dirigir,
que o burro velho não aguentava mais.
Então o fazendeiro perguntou
se ele sabia de um animal à venda
e o empregado respondeu que conhecia.
“Nhô Venâncio tem um burro que criou
faz uns três anos, que é uma boa prenda,
nem é demais o preço que pedia...”
O BURRO DO JECA II
E assim o fazendeiro concordou:
“Mas quero ver o bicho pessoalmente.”
Concordando o empregado, humildemente,
o animal com o dono então chamou.
Veio Nhô Venâncio e então se apresentou,
com seu burrico a marchar, placidamente,
por uma corda amarrado, bem paciente,
e o fazendeiro logo dele se agradou.
Ficaram horas, como então era costume,
assuntando, conversando sobre o tempo,
até tocarem no assunto de verdade,
a pouco e pouco, remexendo o lume,
para acender o pito, em leve alento,
por cortesia, indolência ou amizade...
O BURRO DO JECA III
Até que enfim chegaram ao finalmente
e começaram a barganhar o preço...
Dizia Venâncio pelo bicho ter apreço
e o fazendeiro não precisar urgente...
Mas de tanto regatearem, ficou assente
o preço do animal, sem mais regresso,
cada um deles acreditando no sucesso
desse negócio tratado amavelmente...
Após pagar, o fazendeiro perguntou
qual era o nome que tinha o seu burrico
e Nhô Venâncio disse não saber...
“Mas como? Não é seu o bicho?” se espantou
o fazendeiro. “Perguntei, mas nunca quis dizer,
ele não fala... Mas eu chamo ele de Chico...”
ACIDENTE I (16 OUT 12)
Aconteceu um acidente horrível
numa estradinha de terra do interior.
Um sitiante puxava o seu trator
com um reboque e a carga mais incrível...
Levava cabra, um leitão e era visível
entre as galinhas, em aperto constritor,
até uma vaca, mugindo em seu pavor,
nessa viagem para ela incompreensível...
Por uma estrada do eixo principal
que bem ou mal era até compactada,
trafegava depressa um caminhão,
com uma carga de adubo natural,
percorrendo velozmente aquela estrada,
sem esperar qualquer oposição...
ACIDENTE II
Entrou o trator, porém, na contramão,
saindo do caminho lateral;
o caminhão corria mais do que o normal,
tentou frear e girou a direção,
buzinou forte, porem foi tudo em vão:
girou o trator, como era natural,
virou o reboque e jogou cada animal
para um lado do caminho, em confusão.
O caminhão pela estrada derrapou
e ficou atolado na valeta:
a porta abriu e cuspiu o motorista,
que, por momentos, se desacordou,
correndo sangue sobre sua jaqueta,
correndo adubo à solta pela pista!...
ACIDENTE III
O tratorista não sofrera nada
e foi ver o que ao reboque acontecera.
Os engradados se abriram e perdera
as galinhas, cacarejando pela estrada.
Porém a cabra estava meio degolada
e da vaquinha a perna se quebrara;
gemia o leitão, espetado numa vara...
Foi buscar a espingarda, engatilhada,
e começou a matar os feridos, um a um;
pelo menos iam servir para carnear;
e então foi atender o caminhoneiro...
Mas ao ver a espingarda, o que é comum,
o motorista começou a suplicar:
“Não me mate, que eu ainda estou inteiro!...”
HORÁRIO DE TREM I (17 OUT 12)
Chegou o capiau na estação de trem
e foi falar com um dos funcionários:
“O sinhô entende dos vagões ferroviários?”
“Trabalho aqui... Não sou mecânico, porém...”
“Não, não é isso, o trem das onze quando vem?”
“O trem das onze já passou, veja os horários!”
“Eu não sei ler esses cartazes salafrários,
Mas às onze e quinze me parece também tem...”
“Esse comboio já passou também.”
“E o das onze e meia...?” quis o capiau saber.
“Também passou, já é quase meio-dia.”
“Ah, bão,” disse o capiau, “não tem porém...”
E foi andando, parecendo se perder.
Ficou o funcionário sem entender o que queria.
HORÁRIO DE TREM II
Mas daí a pouco o caipira se achegou
e foi logo indagando ao funcionário:
“Tudo que é trem tá hoje nos horário?”
“Que eu saiba, nenhum deles se atrasou...”
“Mas qual é o outro trem que já passou?”
“Às onze e trinta e cinco, o trem contrário,
que vem de Araraquara... “E o ‘trem do armário’,
das onze e quarenta, que o pessoal apelidou,
porque passa apertadinho, antes que venha
o trem direto para Horizontina;
é esse que a gente coloca no desvio.
E daqui a pouco vou ter de dar a senha
para a passagem do cargueiro sem cabina,
que leva minério para o Estado do Rio...”
HORÁRIO DE TREM III
“Mas, meu amigo, diga simplesmente
para onde é que o senhor quer chegar...
É mais fácil que ficar a perguntar...
Eu lhe indico o trem correto facilmente.”
“Não, seu doutor, eu não perciso viajar,
quero saber é de uma coisa diferente...
Saber se não há trem que pegue a gente
quando eu for pela linha atravessar...”
“Por favor, é só olhar e então passar,
ao invés de estar aqui a perder meu tempo!...”
“É que minha vaca morreu atropelada,
eu já tentei prender, bem amarrada,
mas quando vou puxar, um trem nojento
passa outra vez por cima da coitada!...”
PAPO DE CAÇADOR I (17 OUT 12)
Estavam numa roda os caçadores,
igual que de costume, potocando.
Cada qual uma história ia inventando,
com quantidade de perigos e pavores...
Naturalmente, seus interlocutores
sabiam ser mentira, que esse bando
todas as noites vinha se juntando
para soltar suas potocas de mil cores...
Um contava ter num galho se encolhido;
quando uma onça passou, largou o laço,
prendendo firme no rabo do animal...
Dera um puxão no bicho surpreendido
e amarrado com um nó em torno ao braço,
matando com um porrete no final!...
PAPO DE CAÇADOR II
Outro mentiu que vira onça a tomar mate
e aproveitou quando dera uma cochilada
e derramara um remédio na mateada,
até que um forte ronco o bicho abate...
Não tinha arma, mas pegara um abacate,
que enfiara pela goela da coitada...
A pobre onça morrera sufocada,
vendera a pele daí a um mês para o mascate!
Outro falou que caçava tartaruga,
quando a onça a dar um bote apareceu!
Com a tartaruga seu peito defendeu;
quebrara a onça os dentes, num momento,
ficou estonteada e quando pôs-se em fuga,
quebrou-lhe as costas a tartaruga nesse evento!
PAPO DE CAÇADOR III
Mas então outro, que era grande potoqueiro,
falou que caçar onça não era nada,
ele enfrentara um tigre na caçada!...
E disparara seu cartucho derradeiro...
“Rosnou o bicho e me deu bote certeiro,
mas aí nóis dois fiquemo de porrada!
Eu luto karatê e lhe dava bofetada,
sem que pudesse me arranhar primeiro!”
“Mas pera aí,” falou um companheiro,
“não tem tigre no Brasil, isso é piada!...”
O mentiroso não se deixou apanhar.
“Foi isso mesmo! Dei bofetada bem ligeiro:
“Volte pra Ásia, você tá na mata errada!
Ele miou e lá se foi pro seu lugar...”
A DIFERENÇA DAS ÉGUAS I (17 OUT 12)
A filha do sitiante era lourinha
e ganhou duas eguazinhas de presente.
A garotinha ficou muito contente,
dava maçã e até rapadurinha...
E a cada dia, ela montava diferente,
para dar pelo sítio uma voltinha.
Chamou uma das éguas de Rosinha:
era mansinha e muito inteligente...
Chamou a outra então de Mariazinha:
era bonita e muito bem mandada
e galopava, bem comportadinha...
Sempre a lourinha passeava, descuidada,
já pelo campo desde manhãzinha,
sua cabeleira pelo vento desmanchada...
A DIFERENÇA DAS ÉGUAS II
Um dia, comentou com uma priminha,
de olhos azuis e lourinha como ela:
“Você não acha minha eguazinha bela?”
“Acho, sim! Essa é a Mariazinha?”
“Ai, eu não sei, pensava ser Rosinha,
mas não consigo dizer, sem mais aquela;
a Rosinha tem manchinha na costela
e não tem mancha a minha outra eguinha...”
“Mas fica embaixo da sela e então não sei...”
“Por que não faz o rabo numa trança?
Faz só numa delas e aí tu sabe qual!...”
Tentou, mas não deu certo... “Pelo mato andei
e o carrapicho até a cintura alcança,
fez uma trança na outra égua igual!...”
A DIFERENÇA DAS ÉGUAS III
Então a prima sugeriu: “Corta-lhe a crina,
assim tu sabe qual é a Mariazinha...”
Com cuidado a aparou a boa lourinha:
ficou mais fácil assim para a menina
reconhecer cada égua quando empina...
Mas no alambrado se prendeu a égua Rosinha,
deixou metade da crina ali presinha
e saber qual era qual não mais se atina...
Então disse a priminha: “Uma é mais alta;
pega uma trena e vê qual é a altura,
que a identidade não fica mais secreta...”
E a lourinha já foi medir... Sem falta
ficou sabendo, com certeza pura,
que a égua branca tinha um palmo mais que a preta!