Ciclo da conta
O garçom chega com a conta. Ela leva a mão na bolsa pra pegar alguma coisa. Ele se levanta.
- Nem se atreva.
- O que? – paralisada.
- Deixa que eu pago.
- Oi?
- Não precisa pegar a carteira não, deixa que eu pego.
- Mas eu não ia pegar a carteira.
- Ah não?
- Não, ia pegar meu celular.
- Ah bom, em todo caso, é bom avisar.
- O que?
- Que eu vou pagar.
- Que bom. Porque eu não trouxe dinheiro.
- Sério? E se eu não tivesse todo esse dinheiro aqui?
- Como assim se você não tivesse? Você convidou você paga.
- Não, não é bem assim. Saímos pra nos conhecer. Se eu já tivesse ficando com você.
- Que ficando comigo, nenhum momento me passou pela cabeça em ficar com você.
- Não?
- Não, e agora que eu não vou ficar mesmo.
- Ah não?
- Não!
- Garçom divide a conta por dois e passa a minha parte no cartão.
Entrega o cartão para o garçom.
- Pera aí, e eu?
- Se vira, não acha que eu vou pagar a conta pra você depois disso.
Pega notinha e o cartão, levanta e sai.
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O pagamento das contas de restaurantes e saídas de um casal é um ciclo.
Quando estão ficando, ele paga.
- Não, deixa que eu pago.
- Mas foi caro.
- Que caro o que... – pega a conta pra ver, se engasga. – cacete.
- Tem certeza.
- Lógico, é o mínimo que eu posso fazer por você ter me aguentado a noite inteira. Guarda essa carteira.
- Olha.
- Se você abrir essa carteira eu nunca mais olho na sua cara.
- Exagerado. – ri e guarda a carteira.
- Passa no cartão pra mim, em 6 vezes. – para o garçom.
Durante o namoro, eles dividem a conta.
- Da vinte e sete reais e cinquenta e três centavos para cada.
- Eu só tenho vinte e seis.
- Eu também.
- E agora?
- Vamos ter que fazer a cena.
- De novo?
- Sim.
- Ta, mas dessa vez faz você. Da ultima vez eu que fiz.
- Ta bom.
Acena para o garçom. Que vem todo sorridente. Entrega o caderninho, com o dinheiro dentro, para o garçom. Ele confere o dinheiro.
- Senhor está faltando, cinco reais.
- Sim, é o dos dez por cento.
- Mas aconteceu alguma coisa?
- Não, não. Só não pago dez por cento, é um direito meu, não é?
- Sim, é, mas é que eu achei que tinha feito um bom atendimento.
- E fez. Mas é que eu não quero compactuar com o sistema.
- Não entendi.
- Bar, restaurante, igreja, é tudo igual, sempre querendo tirar dez por cento da gente. – nessa altura já levantou e está falando alto. – E vai pra quem?
- Para m...
- Para os donos e para os pastores, – interrompe – mas saibam eles que eu não dou. Prefiro dar direto para o funcionário, do que para eles.
Levanta e vai embora.
No casamento algumas vezes ele paga, outras ela.
- Da ultima vez eu paguei.
- Tem certeza?
- Sim.
- Deixa eu pensar... o que comemos?
- Japonês.
- Ah, aquele que me deixou peidando por um mês.
- Não, esse foi o árabe, mês passado.
- Ah é... Então, não foi você quem pagou o árabe?
- Foi.
- Então, você pagou o árabe, eu o japonês.
- Será?
- Certeza.
Ela chama o garçom.
- Nossa, só de lembrar daquela comida árabe já me da vontade de peidar.
Quando se separam ele volta a pagar sozinha, mas agora já nem jantam mais juntos.
- Tem certeza que não quer que eu pague?
- Não, eu convidei, eu pago.
- Sei lá, me sinto desconfortável.
- Desconfortável por quê?
- Com você pagando tudo.
- Relaxa. – entrega o cartão para o garçom.
Silencio.
- Senhora o cartão não está passando.
- Passa o meu.
- Não, já falei. Deixa que eu pago. Tenta de novo.
O garçom passa mais uma vez. Nada.
- Não deu.
- Passa o meu.
- Não, espera aí.
Mexe na bolsa, os dois ficam olhando, ela tira o celular, disca uns numero, alguém atende do outro lado.
- Carlos Alberto porque o meu cartão não está passando?... como assim não sabe?... espero que você tenha depositado o dinheiro da pensão... é espero mesmo... não eu não tentei o outro ainda... – não desliga.
Mexe na bolsa, tira outro cartão, entrega para o garçom, que passa na maquina. Silencio. O segundo cartão passa.
- Passou... Bom mesmo. Tchau. – desliga.