Blefe
O Tete era um craque no bilhar, o Ditinho nem tanto.
Não que não soubesse manejar direitinho o taco ou encaçapar umas bolas escabrosas, só que numa escala de 0 a 10, o Tete no topo, ele tiraria no máximo um 6. Vamulá, um 7 sendo muito piedoso ou amigo.
Quando o Pitaco apareceu no salão do Zeponi chegando o reio em todo mundo, dando duas, três bolas de lambuja , humilhando os perdedores e levando a grana de tudo quanto era jogador, não teve quem não ficasse pensando num encontro dos dois
Haviam razões de sobra para o duelo dos campeões. Primeiro que o Tete era amigo da maioria e o Pitaco de Itápolis, cidade rival no futebol e numa coisa todos concordavam: o jogador da cidade era um gentleman. Mesmo ganhando, e ganhava sempre, dava um jeitinho de se menosprezar, inventando virtudes inexistentes nos adversários. “ Ganhei, mas esse seu jeito de bater nas bolas é coisa de gênio. Mais uns dois meses e eu não te enfrento de maneira alguma. Deu azar, se aquela bola cinco entra, eu não ganhava em hipótese nenhuma.” Eram frases correntes na boca dele em relação aos perdedores.
Ninguém em sã consciência acreditava, mas que fazia um bem desgraçado ao ego ah! fazia mesmo. E não teve um nem dois que mesmo depois duma surra fenomenal ,saía pensando que podia ter ganho, se tivesse jogado um tantinho mais ou aquela bola lazarenta que tinha bicado não tivesse.
Lógico que dois dias depois do Pitaco aparecer no salão e azucrinar meio mundo alguém tinha de ir futricar nos ouvidos do Tete e pedir vingança em nome de todos. No terceiro dia apareceu.
O Pitaco estava mandando ver numas partidas de vinte num pereba que se achava o bom quando o Tete entrou de mansinho, pediu uma cerveja e ficou na dele, num canto, só apreciando e bebericando devagar.
Meia hora depois todo mundo viu o sinal dele ao Ditinho, menos o Pitaco entretido em mandar para o buraco uma bola atrás da outra, e os dois ocuparem a mesa bem ao lado da mesa do itapolitano.
Falando alto mas nem tanto para despertar suspeitas combinaram 5 partidas de 20. Tacos azeitados, bolas nos lugares, estudando-se mutuamente, começaram o jogo. A platéia se assanhou e tratou de se posicionar melhor para ver tudo nos mínimos detalhes, ainda sem entender necas e pitiribas. O que o Ditinho tinha a ver com a surra que o Pitaco levaria?
Como disse antes o Ditinho não era páreo para o Tete, mesmo assim, das cinco partidas faturou 4. E foram partidas bem ganhadas! Tipo assim, de sobrar 4, 5 bolas na mesa. Claro que havia um leve cheiro de trapaça no ar, qualquer um podia sentir. Menos o Pitaco com seu ar de superioridade, seu cigarro queimando a beirada da mesa e seu jogo arrasador.
No outro dia, não se sabe quem convidou quem, mas o caso é que o Ditinho estava enfrentando o itapolitano na mesa verde. Perdendo, como era de se esperar, quando o Tete apareceu com os bolsos recheados de notas de 50.
Seis partidas depois, todas perdidas, o Ditinho parou e foi embora, com a desculpa que a patroa tinha de ir na missa.
Pitaco foi ao banheiro, lavou o suor da cara e de volta na mesa pediu uma cerva. O Tete só na dele, papeando sobre bilhar com os outros e vez em quando dando uma balançada, como se estivesse meio grogue, a turma só esperando a hora do bote.
Como quem não quer nada umbigou a mesa, brincou de rodopiar um pouco com as bolas não matadas da última partida, nova balançada, uma ajeitada na careca, Pitaco não resistiu:
- Vamu numas?
A moçada se assanhou.
- Já te vi jogando e no mano a mano não dá. Qual a vantagem ?
Todo mundo concordou em silêncio que o Tete era foda. Ele? Justo ele pedir bola de vantagem? Não teve quem não anteviu o massacre eminente.
- Duas fora da mesa na primeira partida! Depois a gente vê!
O Pitaco não tinha nada de bobinho, perceberam na hora. Se fosse mole a primeira continuaria dando a vantagem. Só que todos conheciam as manhas do Tete. Na cara que faria corpo mole no começo para adoçar o oponente. Por isso ninguém quis apostar por fora com o itapolitano, mesmo ele enchendo o saco de todo o mundo com propostas indecentes e quase irresistíveis.
Como era de se esperar ele ganhou a primeira, o Tete perdendo bolas que nunca ninguém havia visto ele perder. Desembolsou os cinquentinha e partiram para as próximas. Aí a turma aceitou as apostas por fora, o Pitaco insultando meio mundo e apostando 100 contra cinqüenta, 200 contra 100 e por aí afora.
Combinado a melhor de cinco e aumentando a aposta para 200 iniciaram a peleja.
Perdida a primeira, ganho a segunda partiram para a terceira, Pitaco firme, matando bolas imatáveis, dando pregos fenomenais e saindo de situações escabrosas. Já o Tete na dele, com sua elegância ao engizar o taco, seu olhar distante e enganador, sempre na defesa como de praxe, só matando as boas.
Ganhando a terceira partida Tete se impôs. Mais uma e adeus itapolitano, as apostas cresceram para o seu lado. Estranho mesmo era o saco sem fundo de Pitaco. O homem parecia um caixa eletrônico, aceitando todas as apostas e colocando a grana na mão do Zeponi para evitar a fuga de apostantes se estivesse ganhando e exigindo o mesmo.
Quatro bolas ímpares do Pitaco, o seis e o oito do Tete bem colocadas na mesa mais o 15 colado, era só encaçapar a verde a preta e de trevés descolar a ganhadeira que a partida já era. Só que o Tete errou o oito. Aliás, acertou, só que a neguinha bateu na boca da caçapa e repicou, abrindo a quinze.
Vez do Pitaco matou a 13, depois a 7. Na dança da branca colocou a 11 na boca da caçapa do fundo e a 3 no meio da mesa. Aí foi só catchuc, catchuc e . . .catchuc na quinze.
Como num clássico, onde a vitória só é decidida nos detalhes, a quinta partida se arrastou em defesas e bolas mortas só com certezas absolutas, em longos 25 minutos, a 15 reinando solitária no campo verde. Toques curtos aqui, estudos angustiantes ali, roer de unhas dos expectadores, torcidas nervosas estampadas nos olhos, Pitaco levou a melhor. Uma tacada seca na 15 colada, ela saracoteou em 4 tabelas e foi morrer na caçapa do meio arrancando um “hummm” geral. E alguns putaquiparius dissimulados.
O vencedor apanhou a grana- mais de 20.000 – deu uma estica de 100 para os bebuns de sempre e foi embora. O Tete pediu desculpas – que não precisava, afinal havia perdido também- aos apostadores e também se mandou, deixando o ar mais triste que de costume.
E todo mundo ficou sem entender como o Tete, o nosso Tete, tinha perdido para um itapolitano de merda nem conseguido vingar um perdedor sequer.
Minto! Eu entendi tudinho!
Acontece que eu sabia que o Pitaco era de Itápolis coisíssima nenhuma. Morava em Bauru ,a gente tinha trabalhado juntos, de servente, numa obra da Caixa Federal lá. Sabia também que ele e o Tete tinham dado uns golpes de sinuca nalguns bares nos arrabaldes de cidades vizinhas. Mas com o calaboca de milinho pra mim um dia depois do jogo, quando eu dei uma esfrega nos dois, tratei de fazer boca de siri. E de quebra ainda fiquei na vantagem de, se precisasse, filar mais alguns do Tete qualquer dia.
Mas que a moçada dos por-fora levou um preju desgraçado, ah! isso eu posso garantir que levou.!