A ENTEADA
Minha enteada, que pena, coitada!
Sofreu tanto, mas calada
Quando jovem, indecisão: advogada ou embaixada?
Que nada, tornou-se casada
Vida passa, lá vem a filharada
Roupa para todos, e lavada
Os três brigam demais, mais trombadas
Um olha torto e lá vem pancada
Os vizinhos já cansaram de tanta pedrada
A menina é a pior, a malvada
Outro dia a coisa esquentou demais e levou palmada
Até o cabrito entrou na briga, deu patada
Um dos meninos, uma vítima, uma alma penada
Nem no banheiro vai, roupa sempre molhada
Outro dia a irmã, por ruindade, jogou-o da sacada
Feridas por todo o corpo, alma amargurada
E o outro só na TV, até baba na almofada
Apanha também da menina, “aquela abobada!”
Ela sempre apronta para eles uma emboscada
E sua de tanto rir, fica até ensopada
Ah enteada, coitada!
Nem mesmo sabe fazer uma simples feijoada
Nada tem gosto, nem mesmo a limonada
Marido olha, não come, mas também não diz nada
Uma vida assim, derrotada
Quem quer viver esta palhaçada?
Mas um dia olhou para o céu, aquela passarada
Viu a liberdade, e sentiu-se engaiolada
Rotina vil, no peito mais uma pontada
Pensamentos voando na cabeça, uma salada:
“Será que serei feliz somente na outra morada?”
“Muito longe este céu, eterna escada!”
Mas um dia uma luz dourada
Nos seus olhos surgiu, fim da jornada?
Seus olhos viraram para ele, sentiu-se amada
Ele passou em sua janela, militar da brigada
Pela primeira vez sorriu, envergonhada
Mas desvencilhou-se em plena madrugada
Amaram-se ali mesmo, numa sofrida cavalgada
Os quatro dormiam e sem remorso, preparou a retirada
Porém, o instinto bateu mais alto, magoada
Olhou o quarto pela última vez, mas parou pasmada
Porque o marido já tinha ido, mas deixou a ninhada
Ela riu desta vez, livre, leve, solta e gozada!
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