Comprar Coisas

O pai está sentando no sofá, com a televisão ligada, mas cochilando. O filho chega de fininho.

- Papai!

- To assistindo. – da um pulo no sofá.

- Ta sim.

Silencio.

- O que foi.

- Me arruma um dinheiro.

- Pra que te arrumar um dinheiro.

- Por que eu tenho que comprar umas coisas.

- Que coisas?

- Ah, umas coisas.

- Por que você não arruma um emprego.

- Porque eu só tenho 12 anos.

- Sabia que na sua idade eu já tava completando meu terceiro ano de firma?

- É que naquela época a escravidão era liberada.

- Oi?

- Nada. Me arruma?

- Quanto?

- Cinquenta?

- QUANTO! – gritando.

- Cin – quen – ta!

- Pra que tudo isso.

- Já te falei, comprar umas coisas.

- Mas que coisas caras são essas.

- Se sabe, coisas, coisas.

- E não tem lugar que vende essas coisas mais barato?

- Pai.

- Dou vinte.

- Quarenta.

- vinte e cinco.

- Quarenta.

- trinta.

- Quarenta.

- Espera aí, isso não é negociar.

- Claro que é, eu abaixei dez reais do valor.

- Dou trinta e cinco e nada mais.

Silencio.

- Ta bom. – pega o dinheiro.

- Se você tivesse mantido a pose tinha dado quarenta. Tem que aprender a negociar.

- E se você tivesse mantido a pose nos vinte eu tinha aceitado. – fala e sai.

Ele volta a cochilar, ainda com a televisão ligada. A filha mais velha entra na sala de mansinho.

- Pai.

- Eu to assistindo, to assistindo. – toma outro susto.

- Eu percebi.

Se recompõe do susto.

- Faz quanto tempo que eu não digo que te amo?

- Desde a ultima vez que você pediu dinheiro.

- Você sabe como eu te amo né?!

- Eu não tenho dinheiro.

- Ah pai.

- Não vem com essa de “ah, pai”.

- Para o Rodrigo você da né.

- Eu só dei pra por que ele disse que tinha que comprar umas coisas.

- Que coisas?

- Você sabe, coisas, coisas.

- Que coisas um moloque de 12 anos tem que comprar?

- Boa pergunta.

Silencio.

- E aí.

- E o que?

- Me dá.

- Pra que você quer?

- Pra ir no cinema.

- Mas você não foi no cinema semana passada?

- Sim, mas agora vou ir ver o outro filme.

- Espera chegar na locadora.

- Paaaai.

- Só tenho vinte reais.

- Preciso de no mínimo trinta.

- Tenho vinte.

- E a pipoca?

- Leva de casa.

- Quem leva a pipoca de casa?

- Quem só tem o dinheiro pro ingresso.

- Nossa pai, imagina que estranho, todos os meus amigos comendo pipoca e só eu não. Da trinta pai.

- Dou vinte e cinco é pegar ou largar.

- Ta, mas aí você me leva lá.

Silencio.

- Toma trinta de uma vez.

- Aí como eu te amo pai. – da um beijo no pai, pega o dinheiro e vai saindo.

- Você tem que arrumar um namorado urgente pra ir com você no cinema.

Volta a assistir. Aos poucos vai pegando no sono. A mulher chega de fininho.

- To saindo!

- Eu dou cinquenta, eu dou cinquenta. – acorda assustado.

- Da o que?

- Da o que o que?

- Você acordou gritando, eu dou cinquenta, eu dou cinquenta.

- Nada.

- Ta bom, to saindo.

- Tá.

- Cadê sua carteira.

- Pra que você quer minha carteira?

- Pra ver sua identidade, quero ver se você é você mesmo.

Silencio.

- Cadê?

- O que?

- Adal!

- Ta aqui.

Estende a carteira ela pega na velocidade de um ninja.

- Pra que você quer dinheiro?

- Vou ir no shopping com as crianças.

- Fazer o que?

- Levar a Lidia no cinema e o Rodrigo pra comprar umas coisas que ele disse que ta precisando.

- Pelo amor de Deus, que coisas são essas?

- Ah você sabe. Coisas.

- Não, eu não sei.

- Então depois você pergunta pra ele.

- Mas porque ta pegando dinheiro, eu já dei pra eles.

- Quem disse que é pra eles?

- Quanto você vai pegar?

- Pouco.

- O que você vai comprar?

- Não sei.

Silencio.

- Ih deu de ficar me controlando agora.

- Não é agora. Faz tempo já, mas é que você nunca responde.

- Por isso mesmo. – fala e joga a carteira no colo dele.

- Como assim ‘por isso mesmo’, isso nem é uma resposta.

- Tchau Adal. – desliga a televisão. – volta a dormir.

- Eu não tava dormindo, eu estava assistindo.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 25/07/2012
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