UMA DO OUTRO
O telefone toca, ele atende:
– Alô.
– É você?
– Claro que sou eu, quem mais poderia ser?
– Bem, é que...
– Por dentro eu sou outro, mas quem atende o telefone é sempre este aqui de fora. Você quer falar comigo, ou com o outro lá de dentro?
– É você mesmo? Não acredito!
– Quem não acredita sou eu. Estou aqui sozinho, só eu posso atender.
– Se você está sozinho, então posso ir te ver?
– Já te avisei, por dentro sou outro. Vai que quando você chegar o de dentro está do lado de fora... sei não...
– Você tem cada uma...
– Você precisa ver as tiradas dele.
– De quem?
– Do outro, o de lá de dentro.
– Então bota o telefone lá dentro que eu quero falar com o outro.
– Não dá. Agora ele está dormindo. Lá dentro sou outro, mas em
geral adormecido.
– Poxa, Mário, você está com a corda toda hoje.
– Mário? Você ligou um número errado. Nem eu nem ele nos chamamos Mário. Mas gostei da sua conversa. Como você se chama? Por acaso você é a Luci, a que não está nem aí, nem aqui?
– É, você tem razão. Liguei um número errado. Não quero falar com você, nem com o outro. Quero falar com um outro outro. Tchau!