Ultimo pedido

O padre termina de dar a extrema unção. Então balança a cabeça para o guarda sinalizando que ele pode puxar a alavanca. O padre se afasta, o policial se aproxima, coloca a mão na alavanca.

- Pera aí, pera aí, pera aí.

- O que foi? – pergunta o guarda sem tirar a mão da alavanca.

- Eu não tenho direito a um ultimo pedido?

- Não.

- Como assim não? todos tem?

- Todos quem?

- Todos os outros que já morreram assim.

- Que todos os outros, você é o primeiro.

- Primeiro aqui no Brasil.

- Sim.

- Então lá fora já acontece a muito tempo e sempre tem direito a um ultimo pedido.

- Onde você viu isso?

- Vi nos filmes.

- Mas isso aqui não é um filme.

- Sim, eu sei. Até porque se fosse eu já teria desligado.

O policial balança a cabeça e faz que vai puxar a alavanca.

- Opa, opa, opa.

- O que foi?

- Eu não falei ainda qual é o meu ultimo pedido.

- Mas você não tem.

- Poh, o que é que custa. Não acha que todos nós temos direito a um ultimo pedido padre.

- Oi?

- Não acha que ele. – olha pra cima. – ia querer que eu tivesse um ultimo pedido?

- Bem...

- Viu!

Silencio.

- Ta bom, qual é o seu ultimo pedido?

- Deixa eu ver...

Silencio.

- Olha, essa pergunta é difícil hein! – enrola.

Silencio.

- E aí?

- Pera aí... Pera aí...

Silencio.

- Vamos meu turno já esta acabando.

- Calma, é meu ultimo pedido. Não posso desperdiçar.

Silencio. O policial já não está mais com a mão na alavanca.

- Se fosse você o que pediria?

- Oi?

- Se você estivesse aqui no meu lugar.

- Por que eu estaria? – interrompe.

- Não sei, só to exemplificando.

- Tá.

- Se você estivesse prestes a morrer numa cadeira elétrica, e tivesse um ultimo pedido o que iria querer?

Silencio. O guarda fica pensativo.

- Porra, essa é difícil hein?!

- Viu.

- Olha não sei. Isso é uma coisa que tem que pensar com mais calma.

- Concordo com você, me desamarra e deixa eu voltar pra minha cela, quando souber o que quero aviso.

- Rá-Rá... engraçadão. Chega dessa palhaçada, vamos acabar logo com isso.

Ameaça puxar a alavanca.

- Não, não, espera aí, espera aí.

- O que foi?

- Já sei o que eu quero?

- O que?

- Quero pedir desculpa por tudo pra minha mãe.

Todos presentes ficam comovidos. Inclusive o carrasco.

- Ok, e onde está sua mãe?

- Não sei, nunca vi ela.

- Então como quer pedir desculpas?

- Exatamente, quando encontrarem ela, eu peço desculpas e aí posso morrer com a consciência limpa.

Todos ficam em silencio.

- Agora desamarra essa cinta que está me apertando.

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- Você acredita em vida após a morte?

- Vida após a morte?

- É. Acredita que tem alguma coisa depois da morte.

- Olha, acho que não.

- Acha que morreu acabou. Tchau, tchau. Ponto final.

- Sim.

- Não acha que vamos para o céu ou inferno?

- Não.

- Caramba.

- O que?

- Não acredita que vai para o céu ou para o inferno?

- Não. Morreu, morreu.

Silencio.

- Acho que não da mais pra continuarmos juntos.

- Por que?

- Por que não posso ficar com alguém que não acredita em céu, inferno ou reencarnação.

- Por que, qual é o problema?

- Todos.

- Como assim todos?

- Não posso confiar em alguém que não acredita que pode ir para o inferno, ou pagar pelos pecados cometidos aqui, numa próxima vida.

- Ainda não to conseguindo entender o por que?

- Por que você pode me trair e não vai estar nem aí. Afinal de contas vai morrer e nada vai acontecer.

- Aaaah. – da risadas. – nada a ver. E se você me pegar. Aí eu vou pagar.

- Mas é exatamente se eu te pegar que eu to falando. Daí eu te mato, e nada acontece com você. Só morre e pronto.

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- Se existir reencarnação o que você quer ser na próxima?

- O que eu quero ser?

- É, se puder voltar de novo o que você quer ser?

- Eu mesmo.

- Você mesmo?

- Sim.

- Não tem como voltar você mesmo.

- Ué, por que não?

- Por que você já vai ter morrido.

- Mas o que é que tem. Eu revivo.

- Não, você não pode reviver. Tem que reencarnar em outro corpo.

- Outro que não sou eu?

- Isso.

- Então eu queria ser você.

- Eu?

- Porque?

- Pra se amigo de mim mesmo.

- Você não pode ser uma pessoa que já está aqui, por que já tem alguém que reencarnou nesse corpo.

- Quer dizer que eu não sou eu?

- Não, quer dizer, é.

- Ufa!

- Mas então, se outra alma quiser reencarnar em você não pode por que você já está nesse corpo.

- É tipo casa de aluguel.

- Isso. Ninguém vai alugar sua casa, por que você já mora nela.

- Ah, entendi.

- Então?

- Então o que?

- Como você quer voltar?

- Eu não quero voltar não.

- Como assim não quer?

- Não quero, quero descansar. Já tive trabalho demais nessa vida. Vou tirar as outras pra descansar.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 04/07/2012
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