O Morto Está Vivo!


Luís tinha aquela dúvida que o aborrecia. E todos sabem que as dúvidas são feitas de uma fibra incansável, mordaz, que coça por dentro e que nunca passa a não ser que seja atacada com gosto, mesmo que, assim como se coça até ferir a pele, se enfrente por dentro até ferir a alma.
            Confidenciou a seu irmão, Bendito, que não saberia como cobrar aquela promessa do amigo rico, Antero, que jurara que lhe daria o mais belo enterro já visto em toda a gloriosa terra de Albuquerque do Bem-me-Quer. E como conselho bom ninguém escuta e conselho ruim tem serventia, assim como sempre se acha uso para pote vazio, acolheu o que o irmão teceu em fios de inconseqüência:
            - Finja tua morte e veremos se o enterra com todas as pompas.
            Sendo um vazio e o outro leso, os dois irmãos combinaram de avisar ao Antero que, de pronto, principiou-se em organizar o mais suntuoso velório que a cidade já havia visto. Veio até uma banda da capital, um representante do Governador, dois deputados federais e quatro estaduais, além de hordas de vereadores que ficaram esquecidos. Contratou ¨choradeiras¨, mandou fazer o caixão mais belo já observado, todo preto, que reluzia qualquer imagem como se uma camada fina de espelho o envolvesse. O difícil para Luís foi fingir-se de morto o tempo todo. Para auxiliá-lo, Bendito permaneceu ao seu lado a todo minuto, sob pretexto de uma saudade tão grande e amarga que gostaria de acompanhar o irmão até que a última pá o cobrisse para sempre.
            Tudo correu tão maravilhosamente, tendo discursos emocionados, fabulosas narrativas de gente contratada para encenar uma memória que nunca houve, que Luís chegou a derramar água pelos cantos dos olhos:
            - O morto está chorando! – Alguém ainda disse causando alvoroço.
            - Talvez não esteja morto! – Outro bradou.
            - O velório está tão bonito que o morto se emocionou! – Entre o pânico do medo e a comoção pelo espetáculo inédito, prevaleceu o segundo.
            Bendito, aproximando-se a hora de fechar o caixão, incomodou-se. Pediu a todos que deixassem a sala, pois gostaria de ¨dar uma palavrinha a sós¨ com o falecido.
            - Irmão, já não está exagerando? Sabemos que o Antero é cumpridor da palavra. Não vai levantar?
            - E você está louco que eu vou perder um enterro desses?