Dessa pra melhor

- Filho, vem aqui. – fala o pai com uma voz de velório.

- Agora?

- É.

- Mas agora eu to assistindo.

- Depois você assiste.

- Mas depois não vai estar passando.

- Você assiste outra coisa.

- Mas eu não quero assistir outra coisa.

- Desliga essa televisão e vem aqui agora.

Ele desliga a TV e vai para o quarto, batendo o pé e levando o controle.

- Senta aqui.

- Não, pode falar. Eu fico em pé mesmo.

- Senta.

Ele senta.

- Você gosta da sua vó né.

- Sim. Apesar do cheiro dela, sim.

- É ela tinha aquele cheiro por que já estava meio velha.

- Bem velha!

- Bem velha. Mas você sabe que ela gostava muito de você.

- Sim eu sei. Ela sempre me dá dinheiro.

- Não só por isso.

- Não, dava presente também.

- Mas tem mais coisas.

- Tenis, roupas.

- Sim, sim. Ela gostava muito.

- Me leva no shopping.

- Já entendi, já entendi.

Silencio.

- Então, como eu disse, ela já estava meio velhinha.

- Bem velha.

- Bem velha! E precisava descansar.

- Ela não foi dormir no meu quarto né?

- Não, não foi.

- Ufa, a ultima vez que ela ficou lá meu quarto ficou com um cheiro estranho.

- Não, ela não foi dormir lá. Na verdade ela já não está mais entre nós.

- A mamãe colocou ela numa casa de velhos?

- Oi?

- Eu vi a mãe falando com a amiga dela que a vovó deveria estar numa casa de velhos, pelo menos parava de vir aqui encher o saco.

- Sua mãe falou isso.

- Falou.

- Filha da P... – Para ao ver que o filho esta prestando a atenção nele. – então, mas ela não foi pra um asilo.

- Casa de velhos.

- É. Ela não foi pra lá.

- Ela foi dessa pra melhor.

- Ah ela disse que quando fosse ia me levar.

- Ãhm? – arregala os olhos o pai.

- Por que ela jogava, no bingo e na mega-sena, falava que quando ganhasse ia sair dessa pra uma melhor. E ia me levar. A vovó é mentirosa.

- Ela disse que se ganhasse ia embora?

- Sim.

- Filha da P... – para de novo. – Não, mas ela não ganhou na mega-sena.

- Então o que aconteceu?

- Você sabe que um dia todos nós vamos morrer.

- Como o Totó?

- Como o Totó!

- Mas eu não quero morrer atropelado?

- Morrer atropelado?

- Você disse que eu ia morrer igual o Totó.

- Mas não vai.

- Ufa.

Silencio.

- Você e a mamãe também vão morrer?

- Também. Infelizmente sim, mas não agora.

- Quando?

- Quando o que?

- Quando que vocês vão morrer?

- Não sei. Mas vai demorar ainda.

- Mas e se você for atropelado igual o Totó?

- Eu não vou ser.

- Mas e se eu for?

- Mas eu não vou. O Totó foi idiota.

O filho fica em silencio.

- Não ele não foi idiota, idiota foi quem atropelou.

- A mamãe.

- Isso, a mamãe.

- A mamãe é uma idiota mesmo.

- Não fala isso perto dela.

- Ta, deixa aquela idiota.

Silencio.

- Então, como eu tava falando. Um dia todos nós vamos morrer.

- Só não sabe quando.

- É, não se sabe quando. Então, sua vó, morreu. – fala, abaixa a cabeça, escorre uma lagrima.

Silencio.

- Igual o Totó?

- Sim... – responde ainda de cabeça baixa.

- A mamãe é uma idiota mesmo, já atropelou o cachorro agora a vovó também.

O pai levanta a cabeça lentamente, enxuga os olhos, fica olhando para o filho, que fica em silencio olhando pra ele.

- Pode ir assistir televisão.

O filho levanta, sai correndo do quarto, pula no sofá e liga a televisão.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 28/05/2012
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