“QUE VERGONHA”

Valdemiro Mendonça

Tinha ido ao centro da cidade e entrei no ônibus bastante lotado, permaneci em pé sem subir o último degrau da escada, era um ônibus intermunicipal, e a primeira poltrona do lado esquerdo estava ocupada por um rapaz franzino e uma garota muito bonita, vestida de maneira simples e informal, deixando muitos lugares descobertos onde as duas mãos do rapaz que pareciam ter vontade própria, teimavam em ficar se enfiando, ela também estava empolgada, e sua mão direita estava dentro da calça do parceiro, em movimentos significativos, numa cumplicidade perfeita sem se importar se o mundo existia em volta!

Eu sempre fui discreto, e em outras situações parecidas, meu olhar pararia no máximo três segundos na cena, talvez pela minha timidez, ou por sempre ter sido um cara bem resolvido. Só que desta vez eu fiquei com os olhos parados no casal, e meus pensamentos tinham ido de encontro a um quadro parecido e acontecido comigo, e acho que, como tantos jovens que sempre estão prontos para as batalhas do cio desta guerra eterna da perpetuação. De repente voltei ao presente com a voz da garota se dirigindo a mim, bem alta e clara e sem se importar com o barraco ou se estava chamando a atenção dos outros passageiros: - Que é cara, perdeu alguma coisa aqui? - Claro que ouvi, mas como responder e admitir que eu estivera olhando o amasso dos dois? De jeito nenhum do jeito que estavam meus olhos ficaram, como se eu estivesse olhando através dos dois.

Ela tentou me chamar à atenção por mais duas vezes e eu firme, morto em pé, aí ela apelou me cutucou com os dedos da mão esquerda com tanta força que, se os dedos tivessem pontas teriam me furado, e como um ator meio atrapalhado, eu fiz uma cara de quem estava acordando e perguntei sério agora olhando no rosto dela: - Que foi, o que aconteceu, esbarrei na senhorita? E sem dar tempo a ela de falar eu continuei: - Olhe, se esbarrei me desculpe, estou indo ao hospital, hoje cedo me aplicaram lá uma injeção que me deixou meio grogue e estou voltando para ver se me dão um outro remédio pra eu melhorar porque estou dormindo em pé.

Terminei de subir o último degrau me agarrando nos tubos e fazendo um pouco de esforço para convencer melhor! Pedi desculpas mais uma vez e passei pela roleta, olhei de soslaio e vi quando ainda com a mão esquerda, ela fez aquele gesto característico, rodar o dedo indicador em volta da orelha para dizer ao namorado que eu estava lelé da cuca, pensei seriamente em esquecer que eu tinha os tais de bons princípios e esculhambar aquela vaca mal educada, mas me contive.

Voltei pra casa e fiquei remoendo o acontecido sem contar nada para ninguém, não era besta. Mas fiquei pensando, por que não dei logo uma boa resposta para aquela galinha, " por exemplo mandando-a ir botar ovo na esquina"? Bom, eu sabia que ela armaria o tal de barraco, aí eu vi o quanto eu tinha sido ridículo e dei uma boa gargalhada, daquelas bem altas, que fez minha esposa vir saber do que se tratava, disse-lhe, olhando pela janela onde alguns garotos brincavam na rua: - “Foi o garoto que perseguia outro e que caiu na lama, levantou e caiu de novo.” E ela: - Que coisa feia, o pobre garoto cai e você ri, eu heim? Aconteceu uê, tive que me segurar para não soltar uma nova gargalhada.

Trovador

Trovador das Alterosas
Enviado por Trovador das Alterosas em 23/05/2012
Código do texto: T3684048
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