A COROA DO DEFUNTO
Tem quem diga que as histórias me perseguem, porém eu penso que é o meu senso humorístico, nem sempre tão aguçado, que as trazem até mim.
O causo, que é verdadeiro, aconteceu lá pelas bandas das Minas Gerais e quando o contavam, eu que estava no entorno, meio que peguei o bonde do pobre defunto andando.
Já escrevi por aqui o que penso dos velórios de hoje em dia, ara, tudo mudado.
Uma falta de respeito com quem, depois de passar por este mundão daqui, se vai sabe-se lá para onde.
Decerto que um mundo como o nosso, tão fast e informatizado como o de hoje, não haveria de tão "não fashionmente" perder tempo com certas logísticas de despedida, a não ser que o evento seja transformado numa balada.
Daí sim, decerto que até o DJ não teria pressa de despachar o defunto.
Não sei se é falsa impressão, mas hoje percebo que defuntos atrapalham o andamento da vida, é uma paradinha que ninguém mais quer fazer.
Mas o que fizeram com aquele ser em despedida foi demais.
O tal dum parente encarregado do despacho para o outro mundo era, digamos, um desses caras "pão-duros" que tudo acha caro, um contador que tem todos os preços na ponta do bolso, e na hora de encomendar aquela coroa de flores com os dizeres "saudades do mundo", tratou logo de reclamar do preço exorbitante perante as humildes flores do campo que escolhera.
"Luxo nessa hora é pura bobagem!" argumetava ele.
Eu particularmente concordo, acho tudo aquilo um horror, e se nunca fui coroada em vida, claro, estou aqui a dispensar uma coroa em memória póstuma.
Coroas, principalmente aquelas com dizeres que confessam saudades daqueles que sequer encontraram com o defunto desde que ele nasceu, ara, nunca querem dizer muito, aliás dizem nada, e não seria na hora da morte que uma saudade descartada, de súbito ,ali de fato se versejaria.
A não ser que a conta do defunto justifique um verso saudoso no recebimento da herança, daí nem discuto, apenas computo.Até monto um poema inteiro, se preciso for.
E daí, na hora do féretro, a tal "coroa das boas idas", que não tolerou lamentos e custou uma pequena fortuna, logo começou a se soltar das pétalas murchas, desidratadas, se esvoaçando toda pelo caminho, levantando a justa suspeita de que havia sido reciclada por vários velórios. Tá certo, temos que reciclar tudo! Não é o que pede o mundo sustentável?
Deu no que deu. Uma confusão incontável.
No dia seguinte lá estava o tal do familiar "pão-duro" a procurar explicações sobre o ocorrido e a computar os prejuízos do caro despacho descoroado. Queria de volta o dinheiro das flores despetaladas.
Ou quem sabe um crédito futuro na sua própria coroa...tem gente que não perdoa prejuízo em hora alguma.
Cruz credo, neste mundo, nem depois de morto estamos livres de certos micos de total desprestígio...muito menos dos estelionatários das dores mundanas que nos rondam por aqui.
Melhor mesmo é viver e morrer na surdina, com toda a economia do mundo, sem jamais intencionar ser impecavelmente coroado, como manda o figurino do mais nobre defunto, vivo ou morto.
Quem sabe, um dia, as coisas mudem do lado de lá...