DOR DE BARRIGA NA CIDADE
DOR DE BARRIGA NA CIDADE
SONSILDO não é chegado ir à cidade, mas de tempos em tempos não escapa desta amolação. As necessidades o levam lá. Como diz o povo: “a necessidade é que faz o sapo pular”. Ele não é sapo, mas dá seus pulos.
Ele precisou ir a cidade resolver umas pendências de impostos, referentes à sua gleba de terra, um pouco mais do que três tarefas, documentada e legalizada, portanto carecia de estar nos conformes da lei dos impostos do governo; assim foi lá ele pagar.
Sempre que ia á cidade SONSILDO se alimentava bem, com vista a passar o dia sem precisar de mais alimento, pois lá é tudo pela hora da morte. E naquele dia específico, levantou de madrugada, ordenhou as quatro vaquinhas, pôs “lavagem” e farelo para os porcos, jogou um terço de prato de milho para as galinhas, comeu prazerosamente sua ração e lá foi ele. Ia rememorando o farto almoço de manhã: feijão de corda com toucinho fresco, farinha de puba e rapadura amarela; tudo regado com um copo de cachaça caseira; fabricação própria, com a labuta e arte de sua mãe, dona EMENGARDA, que de vez em quando, mais vezes do que quando, também beberica da cachacinha.
No que SONSILDO adentrou a repartição do governo para pagar o imposto sua barriga reclamou. Ele pensou: “não é nada, é só a farinha assentando nas tripas”. Ao aproximar da mocinha bonitinha que o atenderia a barriga roncou exagerada. “Será se a mocinha ouviu? Não há de ser nada; é o toucinho brigando com a cachaça por espaço nas tripas”. Antes de terminar este pensamento a coisa arrochou, pois a barriga torceu da direita para a esquerda e não quis voltar ao lugar, permaneceu torna dentro da camisa. E o que é pior fazendo um barulho de como se fosse uma enxurrada na grota lá do sítio. Veio a dor. SONSILDO ficou amarelo, verde, depois azul. Conversou meio ventríloquo com as coisas lá dentro dele: “Se aquete, aqui não é lugar para arriar o barro. Mais tarde, lá no mato eu deixo vocês saírem”. Foi como se falasse com uma porta; o feijão em luta corporal com a rapadura, lá dentro da barriga, foram de encontro ao umbigo, caíram na calda da cachaça, agora fermentada, escorregaram em direção a saída... SONSILDO trancou as pernas; e mandou uma ordem perempitórica para as pregas de tapume: “Não deixa sair nada!”
A ordem surtiu efeito, as coisas acalmaram. Deu um passo... parou e trancou as pernas de novo para evitar um ato de rebeldia lá das entranhas. Deu outro passo... repetiu a precaução, mas como nada aconteceu andou normalmente. Foi seu erro, pois a cachaça com um resto de leite que ele havia ingerido à noite, se juntaram; não se sabe se numa briga ou para sacanear, e desceram rumo a porta da liberdade, quando SONSILDO quis dar a ordem para trancar a saída já era tarde, pelo menos meio litro de um líquido espesso e fedido saiu. Uns diriam que foi sorte ele estar vestido com calça de algodão, pois o caldo impregnou no tecido da calça e não escorreu para o chão. Grande sorte! E aquela fedentina?
Pensou: “dos males o menor: pelo menos não sujou na frente”. SONSILDO sabia por experiência de outras lutas com a barriga, que quando esta ganhava melava a bunda toda; e dependendo da mistura engolida anteriormente a calça adquiria a coloração desta mistura. Viche! Feijão preto, toucinho branco, rapadura amarela e cachaça incolor... não teve tempo de dar cor a mistura. Esta desceu pelas pernas, encheu a botina e transbordou.
SONSILDO ficou ali parado. Fazer o quê? Sair correndo? Fingir um desmaio? Pedir socorro? Optou por uma quarta opção. Disfarçar que não era ele aquela carniça ambulante. Caminhou resoluto para o caixa, como se tudo estivesse as mil maravilhas e perfume de rosas. Mas o rastro de merda parecia quer dizer: “olha nós aqui...”
Estacou de frente para a mocinha, pernas trançadas, pois o resto lá dentro dele brigava para sair. Estendeu os papéis, o dinheiro, em silêncio; por que a vergonha era tanta que ele não tinha palavras. A mocinha, tampando o nariz com uma mão, pegou o dinheiro (contadinho, pois SONSILDO nunca confiou nos outros para lhe passar troco) e os documentos com a outra, carimbou, os empurrou de volta e se afastou dando vômitos.
SONSILDO saiu arrastando os pés, que estavam juntos, pois as pernas, ainda estavam trançadas evitando um desastre maior. Ele conseguiu a duras penas agüentar até a primeira moita na periferia da cidade; arriou a calça, agachou sobre os calcanhares, fez força e disse:
- Vocês não queriam liberdade? Pois saiam merda!